17 dezembro 2008

Grande Prêmio

A pista fica para trás...
Os carros estão em resguardo.
Segue seu rumo,
Com pressa, evidente.
Cansou-se das reclamações
De outrora.
Amigou-se com novas.
Não há sinal de mudança:
Sinal Vermelho!
Lembra-se daquela
Largada promissora:
Sinal verde!
Ultrapassara os limites
Do improvável.
Fez-se vencedor.
Hoje,
Com os braços estafados
De tanto contornar curvas,
Espera a bandeirada final.
Quem sabe seja ela o rumo:
Ou o começo de um
Grande Prêmio.

07 dezembro 2008

Bricolagem Abstrata

Não sei se estarei pronto
Quando a chance chegar.
Estive ausente de mim,
Dei férias para min'alma.

Concedi aos meus sonhos
Somente a repetição do abstrato.
Em repouso, não sou mais utopia.
Sou bricolagem de conceitos.

Saudades das anarquias n’alma.
Do tempo em que céu e inferno
Até então se desconheciam.

Apresentaram-se, e, aos poucos,
Fizeram pouco de mim.
Troças de meu ser,
Troço difícil de compreender.

Quem entende, não ensina.
Quem ensina, não aprende,
Quem aprende, nunca repete,
E quem repete, novamente é o abstrato.

Sonhos replicantes,
Chances oprimidas,
Ou uma nova chance de ser feliz?

Assim proferiu a filosofia
De um belo e estranho dia.

Da próxima vez, pode ser pra sempre.

Que esta seja a chance. Nada além.

02 dezembro 2008

Sabedoria da Inteligência

Tenho nojo dos espertos!
Tão centrados e destemidos...
Fazem da repetição,
A sabedoria imponente.

Decoram passos,
Tagarelam conceitos repetidos,
Desrespeitam o silêncio,
Proliferam sua altivez.

Pontuais ao amanhecer,
Esforçados ao passar do dia,
Não conhecem a noite.
Repousam, sem preparar o amanhã.

Tenho nojo dos espertos!
Que me cercam em Ignorância.
Que veneram a tal Competência.

Que desconhecem a Inteligência.

18 novembro 2008

Estranho Buffet

Intruso.
Poderia ficar lá fora,
Assoprando o cair da noite,
Fazendo companhia para a lua.
Mas não. Não se conteve. Invasor.

As frestas, as cortinas...
As festas... Que festas?
Não foi responsável
Por apagar as velas do bolo.
Essa noite não tem confete.

Nada de céu de brigadeiro,
De beijinho, de balão,

De crianças felizes.
A noite é uma velha caduca
Prestes a bater as botas.

O vento, intruso,
É apenas um m
ero
Prestador de serviços.
Poderia ficar lá fora,
Mas essa noite,

Assinou contrato
Com um Estranho Buffet.

09 novembro 2008

Paixão Pela Paixão

Não é mais um rosto perdido no escuro.
O brilho, antes intermitente,
Sem embaraço, resolve aparecer.

Ele, que não ficava mais consigo,
Permitiu-se um pouco mais.
Marcou uma reunião com seus princípios,
Sua moral, seus instintos...

Soubera que havia uma voz que gritava,
Apenas não se deu conta de que era a intuição.

Sem medo de arriscar, se conservou.
Parou no tempo, e ganhou tempo pra si.
Amadureceu como o verde da esperança.

Flertou com sua alma,
Abraçou sua tranqüilidade.
Apaixonou-se.


Nada além,
Apenas paixão pela paixão.

30 outubro 2008

Profecias de Fim de Noite

Se eu fosse mais que profeta
Saberia onde estou agora.
Não me perdi por aí, não me perdi...
Mas não me encontro, não te encontro.
As previsões que o vento trouxe
Brisaram sobre o nosso tempo.
Não existe contemplação ao amanhecer;
Não existe paixão ao entardecer;
Não existe nada além da profecia.

[Que não se cumpre nunca]

20 outubro 2008

Desumano?

Não sou policial. Nem civil, nem militar.
Nunca defendi o palácio do governador, nunca tentei invadi-lo.
Não tenho câmera de luz infravermelha, não consigo prever se tem um armário atrás da porta.
Outrora, se dizia que eram os corinthianos os responsáveis pela criminalidade em São Paulo. Hoje, na janela do prédio em Santo André, a camiseta do tricolor paulista. Nem mesmo o preconceito joga no mesmo time.
Penso em organizar as idéias, estou no ônibus.
Em pé, no ônibus que se despede da Avenida Paulista, a elite branca divide espaço com a miscigenação caricata de nosso país. Mulatos, mamelucos, caboclos, todos observam os pálidos senhores, e as belas meninas de cabelos lisos descerem nos pontos mais próximos do centro. Meia hora depois, ao chegar ao Terminal Santo Amaro, me deparo apenas com a diversidade de rostos marrons.
Ali, poucos se importam com quem tinha razão entre as polícias.
Wall Street?
É de comer?
Deve ser lanche novo do Mccâncer. Talvez a unanimidade burra de todas as camadas sociais.
A elite branca acaba de chegar em casa com segurança. Acompanham na televisão os mercados neoliberais que pedem socorro ao Estado, as polícias que entram em conflito entre si e os crimes passionais que comovem o país.
Enquanto isso, o povo miscigenado e cansado, ainda pega trânsito na lotação.
Desumano? Talvez.
Mas em meio a toda essa bestialidade, dificilmente a humanidade continuará a ter espaço para abrigar seres humanos.

18 outubro 2008

Imprecisos e Nômades

Minha essência não condiz com teu olhar.
Somos o fruto do conflito mais sincero.
Aos seus postos, os postos, essência e olhar.

Se me tens na chuva, se me a beira-mar,
Jamais me terás de verdade.
Não sou tangível. Não sou mensurável.

Sou como teus olhos: Imprecisos e Nômades.
Quando compreender minha inquietude,
Não teremos mais sentido.

Deixe assim, sem norte, sem ambição.
Ao repousar em meus braços,
Não é teu corpo que descansa,
São meus olhos,
Que contemplam a tua essência.

07 outubro 2008

Simples Equação

Se não fugisse de mim,
Não seria abrigo.
Se não fosse motivo de lágrimas,
Por ti não abriria sorriso.
Se não perdesse noites de sono,
Não sonharia contigo.
Se não fizesse estragos em mim,
Não te construiria tão sólida.
Se não fosse indiferente,
Não seria minha razão diferenciada.
Se não entendesse meus problemas,
Não seria minha simples equação.
Se não falasse a minha língua,
Não seria a voz que eu sempre sigo.
Se não fosse menos indecente,
Não entenderia a nossa volúpia.
Se desse valor à vida,
Não seria imortal.
Se me ensinares a viver,
Morrerei de amores por ti.

04 outubro 2008

O Samba Se Fez Em Você

O samba que eu fiz pra você
Nem mesmo a lua consegue explicar.
Eu fiz já no anoitecer,
Com as estrelas ao nosso ninar.

Meu sol vive a reluzir
Sobre os teus braços em cada manhã.
Bem quisto é o nosso porvir
De fina seda num mundo de lã.

Tão belo é o teu despertar,
Tão impreciso és teu dissabor.
Consome o meu paladar.
Me faz menino no teu cobertor.

O morro desceu pra te ver,
O mestre-sala por ti se ajoelhou;
O samba se fez em você...
Do samba se fez o nosso amor.

30 setembro 2008

Além

Se não for amar além do amor, não se perturbe com nada além da solidão.

Se não entendes a cordialidade do tempo, não entenderás a devassidão da vida.

Somos escravos de uma mesmice, somos prisioneiros de uma falácia.

Enquanto o império da dor se ergue, o castelo das maravilhas declina lentamente.

Entre pedras e vidraças, torres e soldados, o genocídio da esperança se alastra.

Um campo de concentração se instala no centro do meu coração. Surge um líder.

Sagaz, ele apenas coordena sua equipe.Os chacais separam os sobreviventes em grupos.

Os refugiados assumem papel de agente transformador. Agora são uma milícia.

Desarmados, acuados, não seguem mais as ordens de seus corações.

Já não amam além do amor, não se perturbam, pois em conjunto encontraram a solidão.

28 setembro 2008

Antes do Sol

E este amor nebuloso que se fez em mim?
Outrora dissera em palavras atenuadas,
Que não era amor, que era apenas paixão.
As nuvens se foram, junto com o outono.
A primavera se apresentou, e nada de flores.
O verão está na fila, o sol se espreguiça,
Faz alongamento, mas nada das cores.
Preto, branco, pele, carne, desejo e penar.
Fábulas e alegorias de um sonho real.
Ou pesadelo utópico que se apresenta.
O jubilo que se aproxima, e isso se comemora?
Tem motivo para festa? Não consigo enxergar.
Num está na hora de zerar novamente?
Em silêncio, recolho os cacos de idéias.
Em dispêndio, minhas forças, minha paciência.
Não existem mais motivos para continuar assim.
Se isso é existir, que eu brinque de ser utópico.
Que eu renasça a cada dia, se possível antes do sol.
Que eu nem durma, e que o porvir seja sonho.
Mas um sonho sincero, minha fiel e companheira...
Realidade Sonhadora.

27 setembro 2008

Suplício Discreto

Um moinho sem vento,
Um menino sem teto,
Um caminho do alento,
Ou suplício discreto.

Tanto faz, se nada se fez.
Quem trás, não trouxe a vez.
Não trouxe esperança,
Não mais a herança.

Sem mais rimas
Sem mais poses
Sem mais lamúrias.
Sem mais palavras.

O vento flerta com o moinho.
O menino constrói seu próprio teto.
O caminho se apruma,
Não mais em um suplício discreto.

20 setembro 2008

Monumento

Não menos que um monumento.
Uma obra de arte, quiçá.
Os pássaros se aconchegam.
Os velhinhos do outro lado,
Esperam o chamado.
O dominó é a companhia dos últimos dias.
Talvez os mais pomposos.
Sem a ânsia da infância,
Sem a arrogância da mocidade,
Sem a insegurança da meia idade.
A pipoca, os pombos,
Os menores de olhos avermelhados.
As bolsas que não voltam mais,
As bolsas que voltam ao buraco,
O mercado que quebrou,
O mercado que foi saqueado.
O banco que ruiu,
O banco que faliu.
Esquece de tudo.
É apenas monumento.
Uma obra de arte, quiçá.

14 setembro 2008

Porre Alheio

E se esse for apenas o único caminho?
E se não fosse o único, apenas o mais sincero?
E se não for caminho algum?
Se for confusão? Que caminho serei eu?
E se Deus deixar seu nome fora dos registros?
Se ausentasse de suas responsabilidades
E fizesse de cada manhã, uma obra nova.
Esquecesse do relatório
Que tem que entregar ao coisa ruim,
E sexta viesse tomar uma com a gente;
Mas ele também não bebe...
O que sobra é aproveitar-se de quem bebeu demais
Visar quem está por cair
E se esbaldar do porre alheio.
Se não for apenas um caminho
Que seja meu caminho apenas.

13 setembro 2008

Vestígio de Mim

Deixei em mim apenas vestígios do que fui.
Do que sou, do que entendo, do que tenho.
Não sei lembranças. A cortina se fechou.
Não sei palavra, nem sei viver de silêncio.

E dos vestígios, uma parcela se reergueu.
Das metades expostas em mim, fraturas.
Das fraturas, a cura sincera ao amanhecer.
Da noite que se despiu, o abrigo à luz do sol.

Do sol, a quimera dispare da nossa jornada.
Da quimera, a fé que conflita ao anoitecer.
Do anoitecer, anoiteço em vestígios que serei.

O coração é o silêncio que fala com quem ama.
Entre vestígios, abro a cortina das lembranças.
Anoiteço abrigo meu. Amanheço vestígio de mim.

07 setembro 2008

Encanto Desnecessário

Todo encanto é desnecessário.
Pessoas dizem coisas,
Coisas rasas, incertas.
Pessoas não sabem o que dizem.

Dividir momentos, palavras,
Tentar um desafio, acreditar:
Nada disso é válido quando
A fraqueza de caráter permanece.

Persiste e acompanha.
Abraça o primeiro fio de mesmice,
Permanece a noite inteira.
E assim, completa sua ignorância.

E o mais engraçado: Certamente
Nem se deu conta de que age
Como um primata instintivo,
Desconsidera o senso de retidão.

E assim, continua o ciclo.
A roda gigante volta à base.
A fantasia e o encanto estão no chão.
Lá em cima, o céu e a hipocrisia.

05 setembro 2008

Sincera Ignorância

A felicidade é a mais sincera ignorância.
É a certeza de um saber incerto, mutável.
A necessidade do perdão, do afago torpe.
A vontade indubitável de ser ignorante.

Os versos que correm soltos, prendem-se
Na voz do corpo que sente apenas dor.
Faz curva para tencionar, faz choro para
Lamentar. Faz som para, em paz, calar.

Quem manda em nós, já não somos nós.
Quem manda em mim, já não está aqui.
Quem manda em você, já não está em ti.

E quem manda nas lágrimas?

Ontem mesmo era a sincera ignorância.
Hoje é o encanto que veio do teu mar,
Amanhã, as ondas nos levarão ao porto.

25 agosto 2008

Quero ser você em mim

Quero ser você em mim.
Ser bem mais que um boneco,
Bem mais que um fantoche.
Quero ser bem mais que eu.

Com o tempo estou a aprender.
O vento já me fez brisa.
Furacões não me incomodam.
A janela fechou-se para negociações.

O sorvete de flocos,
A cobertura de leite condensado,
A calda de chocolate...
O copo de leite com chocolate...

Você diz que eu te salvei,
Que eu te salvo sempre.
Quer ser como eu,
Pois não seja. Seja melhor...

Seja apenas você em mim.

19 agosto 2008

Determinado Tempo

Em um determinado tempo, as coisas hão de dar certo;
Mas às vezes penso: “Será que já não é hora do tempo ter um pouco mais de determinação?”
Apático. Sem brio. Tardio.
Divaga entre um infortúnio e uma expectativa frustrada.
De quando em quando, alimenta-se com uma porção de sorrisos. Uma rodada de olhares, um prato de beijos molhados.
Pede ao garçom que traga a carta de abraços. Saboreia um a um. Degusta lentamente, concentra-se na taça; Não há títulos.
Títulos, honrarias, comemorações são para os efêmeros.
Recolhe-se. Tenciona o corpo ao escuro, e se guarda; O abrigo do seu quarto, é hoje fortaleza sombria, que não deixa resguardo, não transcende luz, não transcende esperança. Fica quietinha lá fora. Às vezes bate na porta, mas a porta não abre; Às vezes encontra fresta na janela, mas a janela não abre.
Conta com o tempo.
Espera que o tempo tome conta.
Não conta a ninguém seus segredos.
Fecha os olhos e apenas sonha, afinal determinaram que amanhã é dia de se acordar cedo.

10 agosto 2008

Confusão Tamanha

Não adianta disfarçar,
Apenas chore.
Copiosamente,
Deliberadas lágrimas.

Outrora impostora,
A confusão
Jamais foi tão sincera.

Seca, mas cheia de lágrimas.
Em seu dissabor,
Apenas a vingança.

Secos mares de esperança.
Peixes pequenos,
Rios sem vida.

Eu só quero ser magia,
Me esconder nos palcos,
Nas mãos dos magos,
Nos mares, nos rios...

Mas sou choro.
Sou lágrima.
Sou confusão.

Confusão Tamanha.

30 julho 2008

Gelo e Limão

Que as luzes não me encontrem.
Que a paz não chegue hoje.
Que eu não chegue a lugar algum.

Deixe-me no canto, isolado.
Mereço solitude, desejo solidão.
Não atrapalhe este momento.
Não peço nada além do direito da dor.

Se é para ser intensa, que seja em mim.
Se é para ser sincera, que minta em mim.
Se veio para ficar, que eu seja morada.

Deixe recado à esperança: diz que hoje não vou.
Traga mais um cobertor, quem sabe uns lenços,
Quem sabe umas fotos antigas.

Ah, não esqueça também de caneta e papel.
Não sou tão bom de memória.
Minha ingenuidade acabou.
Meu sabor, se amargou.

Mais uma vez, sou gelo e limão.
Mais uma vez, frio e amargo.

Assim como me disseram ,
Enquanto as luzes estavam acesas.

Arte?

Queria fazer arte...
Ser pincel em mão de artista.
Ser ateliê antes da pintura.
Ser quadro, antes da moldura.


Queria ser arte...
Fazer a obra sem ser obra.
Fazer a tinta apagar a sombra.
Fazer exposição de mim.

Arte não fiz.

Artista não sou.

E o que sobrou de mim,
Além da a arte de sobreviver?

22 julho 2008

Sala de Espera

Carrega sobre o peito
Não mais que lamúrias.
Sobre os ombros,
Cai a primeira cobrança.

Não tens a liberdade.
Não tem nada.
Sofreu para ter pouco,
E, dores muitas têm na cabeça.

Mas é esta que conduz.
Deixou para trás o coração.
Perdeu-se no caminho obscuro,
Talvez ao flertar com a lucidez.

De lúcida, apenas a dor.
Não vê médico na emergência.
Delicadamente, a dor se espalha.
Um rancor seco adere ao corpo:
Eis a única companhia.

Na sala de espera,
Não há esperança.

Na sala de espera,
Não espere por mim.

17 julho 2008

Infinito Descompasso

Uns quilos a mais...
Uns sonhos a menos.
Um certo comodismo.
O errado comodismo.

Seis Anos...
Incontáveis noites em claro.
Infindáveis dias sem luz.
E o fim, que sempre esteve próximo,
Na dança do tempo
Tornou-se princípio.

O menino que estudou comunicação.
É em silêncio,
O homem que arruma a gravata.

Fez a barba.
Despiu-se de ideologias.

Cara limpa,
Corpo sujo.

Os sapatos,
Um pé por vez.
Um passo...
E o infinito descompasso.

11 julho 2008

Cidade Em Mim

Não queria estar noutro lugar.
Não queria respirar ar puro.
Quero São Paulo.
Te quero, São Paulo.

Sou marginal,
Mas atravesso a ponte.
E, da ponte pra lá,
Não sou benquisto.

A cidade é cinza,
Como os sonhos paulistanos.
Mas não me leve daqui.

Não sou bandeirante,
Não sou desbravador,
Não matei índio.

Sou da prole...
Do Morumbi lotado...
Dos shows no Pacaembu.

Para Interlagos,
Não tenho verba.
De lá, lembranças
Do clube das crianças impossíveis,
Do palco,
Da piscina amarela de urina.

Sou do Capão,
Mas não gosto de mato.
Sou de São Paulo,
E por São Paulo me mato.

E ela,
O que faz por mim?

Nada.

Se fizesse,
Não seria São Paulo.

Além dos prédios,
As nuvens.
Além das nuvens,
A solidão.
Além da solidão,
O trabalho.

A labuta que conforta.
A alienação que abraça o capital.
O capital que sustenta
As primas da casa da tia Augusta.

Aqui, as idéias de Paraíso
E Consolação são clichês.
Se quiser inovar,
Tem que ir além.

Não conheço nada além
Da solidão Paulistana.

Eu não quero ir a lugar algum.
Quero ficar em São Paulo.
Quero ser São Paulo.
Como São Paulo é em mim.

07 julho 2008

Sem Pestanejar

Ela surgiu como uma estrela...
Eu só queria habitar uma galáxia distante.

Ela pediu paciência...
Eu não tinha direito de pedir nada.

Ela dormia com os anjos...
Eu acordava com a devastação.

Ela cobrava seus direitos...
Eu tinha uma listagem de deveres.

Ela era de direita...
De virar à esquerda, fiquei torto.

Ela fazia bolinhos de chuva...
Impreciso, eu só faltava fazer chover.

Ela era quase sonho...
Eu tinha certeza que o pesadelo existia.

Ela sorria pra mim...
Eu ainda tinha ranço no coração.

Ela sempre soube me amar...
Sequer descobri que o amor pode ser descoberto.

Ela foi embora sem olhar para trás...
Eu que não sou besta, sem pestanejar faria o mesmo.

Devastação

Espero não ser Brisa.
Não nasci para ser Vento Leve,
Não tenho cara de Frescor.

Batizado como Furacão,
Apelidado, Tornado.
Gosto da devastação.

As telhas caídas;
As paredes sobrepostas;
O mar que está de ressaca...

Bebemos juntos a noite passada.
Ele pediu algumas oferendas,
Eu apenas uma Coca-Cola.

A Outra Banda

Da guitarra virtuosa,
Ao frenesi dos solos,
Não há platéia a aplaudir.
Não há palco para pular.

A estrutura foi desmontada:
Nem Rock in Rio;
Nem Woodstock.
Sidarta faria mais barulho.

A cozinha,
Já não é mais tão entrosada.
O vocalista,
Não canta mais versos livres.

O show acabou.
A banda hoje não passa mais.

27 junho 2008

Morada Minha

Talvez um vilarejo...

Um bairro nobre, quem sabe.
Casas simples, mas
Com molduras pré-fabricadas.

Na vizinhança,
A associação de moradores
Se reúne.

A Ata: A morada minha.

Eles querem grades...
Eu quero área de lazer.

Eles constroem guaritas...
Eu destruo muros.

Eles pagam condomínio...
Eu pago pra ver.

Eles me alugam...
Mas a escritura minha,
Jamais terão em mãos.

18 junho 2008

Eis o Prazer - Sem Explicação

Mas essa liberdade,
Parece-me pouco livre.

Muito detalhista,
Dizem.

Geralmente a liberdade é livre
De qualquer explicação.

Se parardes para detalhar
Perderás muito tempo.
E quem recompensará?

Tempo perdido,
Nem sempre é tempo vivido.
Mas tempo vivido,
Não se perde no tempo.

Não espere mais.
Não viva menos.
Não explique a tua liberdade,
Não permita isso.

Apenas permita-se.
E se não for pedir muito,
Permita-me.

Eis o Prazer

Liberto,
Não sente mais sua consciência latejar.
O melhor remédio, o tempo,
Tratou cada detalhe
Com o máximo carinho,
Para que não ficassem rusgas,
Para que nem mesmo o passado
Fosse lembrado como tempos de outrora.

Fresco na memória,
Revigorado,
Parece memória do presente,
Aspiração do futuro.

Eis o prazer da liberdade.
Eis a liberdade.

Muito Prazer.

16 junho 2008

O Último Sonho

Não lembra o idioma:
-Corre...gooooooo.... ruuuuuuuuun...!
Sabia que deveria seguir o conselho.
Ela, que sempre quis ser personagem, que até aula de teatro fez, estava no centro da cena mais eletrizante, que nem mesmo Tarantino teria pensado com tanta propriedade.
Mas não correu.
Pensou em Isabella, a guria que ainda dava algum sentido para sua melancólica vida.
Ficou.
Protegeu a pequena Isa, e pagou pela escolha.
Dois anos de reclusão.
Digna!
Lembra bem da cilada. Ele falou que não teria nenhum problema, que era apenas uma assinatura, mas quando os federais baixaram, a confusão de carteiradas a deixou atordoada;
Lembrou-se de Forrest....
Queria correr. Queria atravessar o país.... mas não poderia. Não seria justo que a indefesa Isabella pagasse pelos erros de seus pais. Com quem ficaria? Entregar na mão do Estado?
Nem pensar.
Isabella era tudo. Ao menos tudo para sua mãe Beth.
Como um algodão doce que não se divide.
O último.
Do último vendedor.
Um parque cheio, pessoas tranqüilas.
A única coisa que poderia acabar com a paz daquele lugar seria o fim das vendas do algodão doce.
Seria como se os sonhos tivessem acabado.
Certamente, daria vontade de sair do parque e voltar ao caos da cidade.
Mas Beth estava com o último algodão doce, o último sonho.
E ele seria de Isabella. De Isabella e de mais ninguém.
As meias, desalinhadas, remetiam ao momento da concepção de sua filha: envolvida de desejo, nem conseguiu tirar os pares de meia que vestia. Consumiu-se de amor. A botinha rosa, a saia rodada, a blusinha branca. Era Isabella, era a felicidade de sua única filha.
Não importava mais o tempo na cadeia.
Neste instante, não existe mais vagabundo.
Apenas duas damas a recuperar o último sonho.

15 junho 2008

O Teatro Trágico

O veredicto sai logo mais.
Um cigarro,
Uma pausa, dramática,
Como no teatro.

Uma vida,
Uma peça.
Uma peça que falta.
Uma atriz que se ausenta.
Não tem elenco de apoio,
Os figurantes foram dispensados.
Somos apenas nós.
Ou a ausência de nós dois...

Mais um cigarro.
Mais uma cena.
Mais um jogo de cena.
Acabou novamente.
As cortinas se fecham,
Bem como o nosso amor.

Que amor?
Não éramos atores?

09 junho 2008

Caixas Também se Revestem de Sonhos

Numa caixa revestida de sonhos
Coloquei o mais sincero desejo
De um dia ser alguém menos perverso.

Guardei minhas angústias,
Minhas intrigas,
Minhas limitações.
Uma fita vermelha,
Um adorno delicado,
Mas com cor marcante.

Uma cor que simboliza sangue.
O sangue das almas.
Varridas, destroçadas,
Jogadas numa caixa.

Decerto, forrada de sonhos,
Mas na realidade,
Descobri que nada é tão cruel
Como a caixa da sobrevivência.

Tenha certeza disso:
Se buscar explicação em mim,
Vai se confundir.

Se quiser enfrentar
O futuro confuso,
Sempre buscando a paz,
Serei o mais apropriado
Presente da sua caixa.

05 junho 2008

Sincero Penar

Bateu tão forte.
Sinto-me atado.
Queria ter os braços soltos agora.
Não posso fazê-lo.
Enquanto um se apóia no queixo,
O outro aponta para o vazio do céu.
Já o mais atento,
Perguntaria, com razão,
Como escrevo agora,
Já que ambos os braços estão atados?
Simples.
Escrevo com a alma.
Aquela que me desata e me liberta
Para encontrar o mais sincero penar.

04 junho 2008

Cine Paulista

Ela parece filme,
Mas não está no cinema.
Piratiaram uma cópia
E lá está ela, no paraíso.
Eu, do outro lado,
Na consolação espero.

Não pode ser mais paulista que eu.
Ninguém pode, acho.
Ou todo mundo pode?

Não conheço o mercadão, ainda.
Isso é grave.
Mas mortadela nunca foi o meu forte.
Sei que não tem apenas isso,
Mas não senti atração suficiente
Para fazê-lo.

Talvez por conta dela;
Talvez por conta da busca incessante;
Mas ela está aqui.

Não se trata de sonho.
Na pior das hipóteses,
Ela se anunciará no próximo trailler.

No outdoor, não estará mais.
Época de cidade limpa.

Comprei meu ingresso.
Espero na última fileira.

01 junho 2008

Não Se Explica

Não se explica sentimento.
Tentei uma, ou outra vez,
Mas é claro, sem êxito.

Por mais sincero,
Por mais intenso,
Por mais perverso...

Não se explica sentimento.

Às vezes, não se sente;
Às vezes, não se ouve;
Às vezes, não se vê.

A fragilidade pode irritar;
A insanidade pode matar;
Mas com sentimento, ninguém pode.

Não se vende,
Não se intimida,
Não se acovarda.

Não. Não se explica.

28 maio 2008

Suportável

Toda dor é suportável.

Não conheço pessoa que voltou após morrer de dor.
Também não conheço pessoa que não sentiu dor.
Umas nas articulações;
Outras nos músculos;
Muitas nos ossos;
Mas nenhuma mais severa que a do coração.
Seca e amarga.
Faz o sangue ficar mais escuro;
A respiração mais ofegante;
Os olhos mais lubrificados.
Mas suportável, como todas as outras dores.

Insuportável são os enfermos nos dias em que o coração dói.

O Conforto do Tempo

Se ficar mais tempo pensando,
Não saberei o que estou a pensar.
Já não sei nem mais quem sou;
E não é crise de identidade.
É perda total.

Nem meus números são os mesmos;
Minha labuta, por mais severa,
No mesmo lugar, também não estará.

Se até o final destas palavras
Não encontrar meu conforto,
Confortarei-me no tempo,
Pois este, não pensa em mim.

Adoro quando esquecem que existo.

27 maio 2008

A Senha

Se é a esperança que cai,
Se é o sossego que vai,
Se é a privacidade que se expõe.

Não existem mais segredos.
Todos foram desvendados.
Das melhores, ou das piores formas.

Como um cartão clonado,
Como um golpe.
Não importa o fim.
Maquiavel não é meu amigo.

A senha para a felicidade mudou.
É estranho,
Mas o medo não existe mais.
Apenas uma nova senha.

26 maio 2008

A Festa

Preciso fechar os olhos.
Preciso fazer um pedido.
Não há bolo.
Cancelaram a festa.

Mandaram os palhaços embora.
Não deixaram nenhum trocado.
O manobrista riscou os carros.
Fez ameaças.
Acho que ele está certo.

Não tiveram palavra.
Fechei meus olhos,
Mas não havia festa.
Não há festa em mim.

Poesia - Tudo O Que Sei

Tudo o que sei, aprendi com a poesia.
Não a de outrora, que era apenas utopia.
Aprendi com a poesia cotidiana.
A que não tem cor, a que dói.

Não li versos ensolarados,
Porque não vivi versos ensolarados.
O sol sempre se põe.
E, por mais que chova, ainda tenho esperança em mim.

A poesia é a licenciatura plena.
É a aula que deveria ser dada nas escolas.
É o conceito de moral e bons costumes paterno.

Sem a poesia não haveria sol.
E sem os problemas das minhas poesias,
O sol não brilharia novamente.

Mas vivo a poesia.
Sinto a poesia.
E o sol, sempre nasce pela manhã.

Artigo Definido

- Dê-me algo além de um beijo?
Se ela não sabe desse princípio básico, não sabe de mim.
Eu não sei muitas cousas, mas sei o princípio do amor.


Um beijo, umas carícias, uns abraços...
E o artigo indefinido, se define.

O amor.
A carícia.
O abraço.

Não existe nada além do beijo.
Não existe nada além do amo
r.

Leitura Morta

Se eu não souber mais o que escrever,
Não pense que eu não sei o que quero dizer.
Às vezes, meu silêncio é tão falante.
Tagarela anseio, na mais pura verborragia.
Silenciosa, sim. Mas pura, a mais pura.

Se não souberes ler minhas palavras,
Leia minhas obras como ser.
Se deixei alguma coisa em ti,
Se deixei alguma esperança em mim.
Leia em meu olhar.
Leia ao me olhar.

Se não conseguir enxergar minha essência
Não se preocupe mais comigo.
Não serei mais necessário.
Dê de ombros.
Já serei leitura morta mesmo.

Doença Incurável

Já se foi?
Ínfimo pesar, grandioso orgulho.
Eis a ingratidão.
É o fim, e mesmo assim, é a vida.

Que segue,
Que se apresenta.
Como o sol, como a aurora.

Não há dor mais patética.
A dor do fim é prova do orgulho.
Jamais será base para sustentação.

Mas é a mais sincera.
Se o pesar for maior, já é doença.

Se a doença for incurável, já é amor.

Selvação

E se não fosse um animal?
E se fosse gente como a gente?
Seria tão desprezado assim?
Nem mesmo as sociedades protetoras dão conta.


Bem-vindos à selva.
A nossa de pedra, a deles de perdas.
Nem mesmo o ar.
Nem mesmo o lar.


Não há refúgio,
Não há abrigo,
Não há descanso,
Não há amigo.

Há a carrocinha.
Uma jaula numerada,
Uma morada no zoológico,
Uma venda a um exótico comprador internacional.

Se não fosse um animal,
Poderia ser qualquer um de nós.
Nunca fez diferença mesmo.

Conselho Divino

Vá devagar, mas atropele os instintos que te prendem a mim.
Não se prenda em mim.
Nem mesmo a minha alma consegue me libertar.
Já tentei ‘de tudo’. Já ouvi ‘de tudo’.

Deus até veio me dar uns conselhos,
Mas era tarde, e ele cobrou hora extra.
Não tinha dinheiro para pagar seus honorários;
Ele cancelou a consulta.
Alegou que era tudo golpe de marketing,
Essa história toda de onipresente.

Disse que manda pessoas de confiança em seu nome.
Sim, anjos da primeira guarnição celestial.
Todos altamente capacitados.
Mas nenhum deles compreendeu minhas inquietações.
Inclusive, um está para ser mandado embora.
Estava assinando a papelada no ‘recursos humanos’.

Não se prenda a mim.

Eu só quero me prender na liberdade de ser feliz.

Ponto Final

Após anos de batalha,
Feridas em aberto, sangue nas mãos,
Chegou a hora de estancar.

Ataduras, gases, mercúrio.
Um ponto aqui, outro acolá.
Ponto final.

A cura, que ninguém sabe de onde veio.
A cicatriz, que ninguém sabe quem marcou.
A dor, que ninguém mais sentiu.
A luz, que ilumina o corredor.
A padiola, como no seriado mexicano.
O quarto baixo. A alta.

O ponto de táxi.

O ponto final.

25 maio 2008

Comunicólogo

Cada segundo... Cada mísero segundo.
É tempo que passa... É passatempo da solidão.
Solidão viva. Conversa morta.
Mas quem sobreviveu?
Não deixaram saber. Notas saíram no jornal.
Números imprecisos. Certo?
Somente a poesia pode noticiar.
Furos de reportagens são poéticos.
É a poesia dos fatos.
Jornalistas, não o são. Comunicólogos, talvez.

Prazer, Comunicólogo.

Gente

Gente simples.
Na rua de trás, as crianças ainda brincam.
As mães, a cozer.

O fogo baixo, o rádio amigo,
A preocupação com a violência.
-
Porém, nem o fogo brando é menos preocupante.
O fogo lá fora se apresenta em armas.
Brincadeira de calibres, diversão à prova de balas.

É hora do jantar.

Na tevê, novela policial.
Na sessão especial, filme de luta.
No programa de reportagens, as novas lideranças do tráfico.
No noticiário noturno, o milionário foragido.

Gente simples.
Gente influenciada.

Sabido Jogo

Sabemos que o amor é apenas um jogo, mas não sabemos jogar.
Sabemos que o jogo é feito de resultados, mas não sabemos ganhar.
Sabemos que os resultados saem depois do trabalho, mas não vamos trabalhar.
Sabemos o horário que começa o trabalho, mas acordamos atrasados.
Sabemos que o atraso se resolve com um despertador, não sabemos despertar.
Sabemos que quem desperta cedo tem mais tempo, mas não temos tempo pra isso.
Sabemos que isso é diferente daquilo, não sabemos para que aquilo serve.
Sabemos sequer o que é aquilo, mas é aquilo que buscamos aqui.
Sabemos que aqui está complicado, mas ainda é menos complicado que lá.
Sabemos que lá não existe amor, então é aqui que devemos jogar.

23 maio 2008

A Matriz

Eu sei que por muito menos já seria tempo de não saber de mais nada. Mas continuo, a saber.Um saber desajeitado, desrespeitoso, mas inseguro, sobretudo. Tentei ser mais do que sei, mas não sei se isso é certo. De incertezas a delírios, o caminho se traça, e as traças de um coração fazem troça, pelo simples motivo dele teimar a apanhar. Quando batia, ainda havia razão. Não há mais razão. Somente esboço de raciocínio. Outrora, as informações eram catalogadas e distribuídas conforme o grau de importância. Cada departamento, cada setor, era independente, mas todos eles respondiam a uma central, a uma matriz. À Matriz. Não havia questão sem resposta. Não havia resposta sem satisfação. Os dias nasceram, teimaram, se escureceram. Primeiro a neblina, depois o céu cinzento, a garoa, a chuva constante, os dilúvios, os desabrigados. Talvez seja tempo de não saber de mais nada. A matriz não responde mais.

21 maio 2008

A Cegueira das Cousas

Olha ao redor, mas as coisas não o vêem.
Têm as coisas, mas não tem nada no olhar.
Se fosse fazer uma aposta, perderia.
Se fosse penhorar seus bens, coisa não mais haveria.


Singular como o gesto de quem é coagido;
Pluralista como a solidão que se espalha no peito;
Correto, como o caminho que se perdeu.

Entre folhas e rabiscos, rascunhos e projetos,
Eis a escritura de sua antiga casa.
Tirou-a de uma pasta empoeirada, notava-se o descaso.
A etiqueta, vermelha e branca, hoje é marrom.

Suas cores originais perderam-se, como a validade do documento.
Não tem mais escritura de seu lar.
Não tem mais abrigo.
Apenas o redor.

E, ao redor, as coisas continuam a não vê-lo.
Se nem as cousas o vêem, imagine as pessoas, então?

17 maio 2008

Dois Segundos

Não viverás mais que dois segundos.
Não compreenderás menos que três palavras.
Não dará menos que um passo sem a ternura.

Fingirá fortaleza, sorrateiramente terá lampejos de felicidade,
Mas não estará coberto de conforte.
Ponha a cabeça na janela agora. Ponha amanhã, nada adiantará.
Não verás horizonte. Mesmo fechando os olhos.

Reminiscências confortam, mas não alimentam.
Seja o mais forte possível, e ainda será um fraco.
Seja fraco por não ser franco, e ainda será real.
A abstração é um dom, a fantasia é um som.

Som que nunca tocará em seu dial se não compreender a solidão.
Diferencie a depressão, selecione a reflexão,
Coloque em um sexto, esqueça o terço, se feche no quarto,
Primeiro encontre os meios, e por fim, mande tudo para os quintos.

Se viver mais do que dois segundos,
Compreenda ao menos as tuas palavras.

12 maio 2008

Um Lago Para o Jardim

Não sabe se bastou.
Não sabe se fez a melhor escolha.
Tem apenas um minuto para compartilhar a ansiedade e agonia, com a leveza da perda.
Sente-se leve por se perder.
Descobriu os sentimentos nos momentos errados, mas acertou seu caminho.
Não tinha idéia de onde iria parar, nem sabia o que estava parado em sua vida.
Deu um passo pra trás, talvez; um tiro no pé, quem sabe?
Entre muitas dúvidas, compartilhou o silêncio, e, sem entender nada, lembrou-se do telefone que não atendeu. Ou atenderam? Não sabe. Nunca foi adivinhador, nunca teve esse dom. Sempre foi mais casmurro.
Lembrou-se da última noite, o último beijo, e da certeza de que a harmonia, voltara aos seus olhos. Lágrimas despudoradas simplesmente trilharam o caminho de seu rosto, e enquanto caiam, eram apenas reminiscências de sua ascensão.
Um abraço.
Via apenas um lago.
Um lago para o jardim.
Da água que bebeu, da história que plantou, das lembranças e utopias, tudo existiu. E assim bastou.

21 abril 2008

Os Amigos da Augusta - Parte II

Fogueira pegou seu mp4 e saiu em direção ao ponto.
Botou a mão no bolso, mas lembrou que seu bilhete único estava com o Mago também. Tinha que encarar a caminhada.
Pelo menos lembrou das pilhas recarregáveis. Ao olhar um poste cheio de papéis de mulheres que oferecem-se como “damas de companhia”, pensou em ouvir “Propaganda” do Sepultura. Tinha quase certeza de que tinha baixado. Realmente estava lá. Subia a 13 de maio, em direção à Brigadeiro.
Na verdade, queria mesmo é dar uma passadinha na 14 bis. Era certo que a Renatinha, aquela guria que fez filme pornô, estaria na casa da Ana Paula.
Mas era tímido demais. Tinha certo sucesso com as mulheres, mas não por ser galanteador e persuasivo. Era mais pela aparência magricela, e um certo ar de jovialidade. Algumas delas ainda se interessam por rapazes com cara de bebê. Não a Renatinha. E isso o incomodava. Deu uma paradinha no mercado, pra dar uma mijada considerável. Muita cerveja, de baixa qualidade pra piorar, dá nisso. Passou no caixa e uma atendente fitou-o como se estivesse se querendo. Poderia renegar aquele momento como fazia sempre, mas acordara disposto, tanto que não foi tão submisso ao discutir com o Johnny. Era hora de distribuir ao menos um sorriso de canto. E foi isso que fez, sem muita convicção, mas estava seguro que já era um começo. Aliás, por sentir segurança, já não era apenas um começo, era um avanço digno. Daqueles de pagar uma cervejada pra toda galera quando chegasse no bar.
A menina entendeu o sorriso como um sim, e fez-se de agradecida. Porém, como parte do momento de conquista, virou-se de ombros, dificultando a leitura de sua postura. Isso confundiu demasiadamente o Fogueira. Bem, chamá-lo sempre pelo apelido das ruas, é de certo muito incômodo.
Vamos aos fatos, então.
No terceiro ano, quando estava pra se formar num colégio da zona sul, onde conheceu seus dois amigos de apartamento, resolveu organizar um lual com a galera, no dia do acampamento. Isso, quando fossem para a tão esperada viagem de formatura; Na época, arrastava um caminhão para a Ana Paula, a guria da praça 14 bis. Tudo certo, viagem já no segundo dia, quando, enfim, chega a noite do lual. Pegou o violão do Milton, aquele que era o típico garotão boa pinta, o popular da escola, que só andava com os caras queridinhos das meninas, e resolveu tocar uma música. Logo, direcionou seu olhar para a Ana Paula, e pediu a ela que escolhesse uma música. Até então tudo dentro dos conformes, pois antes da roda se formar, já tinha combinado com o Milton, que em determinado momento, pediria o violão, e esboçaria uma canção. Sabia que a previsibilidade de Ana Paula inclinaria seu pedido à uma música da Legião. Ensaiou todas as mais clássicas, de “Pais e Filhos” à “Eduardo e Mônica”, mas não esperava que naquela noite, Ana Paula estivesse um tanto quanto fora do mainstream.Pediu “Quase Sem Querer”, que para qualquer fã de Legião, é uma canção comum. Para ele era um tormento.
Lembrou-se que naquela época que o Du, o cara que sentava a sua frente, gostava daquela música e tentou puxar na memória os primeiros versos.
“Tenho andado sempre distraído...
Não....
Acho que é diferente...
Tenho sido distraído...
Caralho, todo mundo olhando pra mim!
Pior, a Aninha já tá sem paciência.
Como eram os acordes mesmo!?
... distraído... impaciente e impreciso...”

- E aí, sai ou não?
Ao invés de ajudar, porque era certo que o Milton sabia a música, o cara só botou mais pilha.
- Tá saindo.
E, quando o Milton estava quase pegando o violão de suas mãos, percebeu que Ana Paula desistira de ouvi-lo. Estava a se levantar. Seu desespero foi tamanho, que, esbaforido, tentou correr atrás dela, sem lembrar do violão, que caiu na fogueira. Levantando chama de mais de metro. O fogo quase queimou seu rosto, mas não era aquela chama que o queimava. Sendo ridicularizado por todos os colegas, o que queimava mesmo suas bochechas era a chama da vergonha. Ali mesmo, na brasa dos acontecimentos, nasceu o codinome Fogueira.
E era esse mesmo Fogueira, distraído, impaciente, indeciso, que quase sem querer estava a olhar a moça do caixa. Essa, já não mais interessada. Afinal, assim como na viagem da formatura, o Fogueira demorou demais para aprender a canção.

...

Curva de Rio

Eles despejam lá no começo.
Seus entulhos, objetos pessoais em desuso, e todas as reminiscências que querem esquecer.
E a mim, curva de rio, só resta guardar toda essa herança medíocre.
Ontem, um sofá quase impediu a passagem da água.
A correnteza vinha, mas não havia acordo;
Esperava, como se estivesse no trânsito paulistano. E eu, nem sou o Pinheiros, tampouco o Tietê.
A água amarela, pálida, finge que sabe seu curso. Grande mentira.
Ela também está perdida.
Outrora, já estaria no afluente certo, e não me deixaria aqui, só a receber dejetos.
Tenho que pegar minhas coisas e ir embora, antes que me sequem.
Ontem, essas águas pálidas trouxeram a notícia de que tem muito rio aí que tão botando fogo. A água não consegue apagar a chama, e os caras queimam mesmo. Queimam tudo.
Não sei se a água do meu rio consegue apagar uma chama dessas não.
É muita irresponsabilidade.
Eles jogam tudo: piano, armário, pet, pneu, escada, fogão. Tudo.
Dia desses, li um anúncio de jornal que passou por aqui. Dizia que por aí tem rio mais calmo. Acho que vou me embarrancar e me jogar nessas águas, me misturo na palidez e me formo em alguma escora. Vou ver se encontro o mar. É isso. Sair de encontro ao mar.
Mas tem que ser tudo com muita calma. Tem que correr tudo como as águas mais serenas.
Será que um dia isso pára?
Sei não.
Eles despejam lá no começo.
Eles não sabem onde é o fim.
Eu só sei que não quero mais ser curva de rio.

20 abril 2008

Obras Bestiais

Se a tristeza não fosse a razão de minhas palavras, não teria razão de vir até aqui.Menciono palavras alegres e edificantes como felicidade, paixão, harmonia, paz, fraternidade, mas no fundo sei que elas são menos reais que a própria realidade.São obras cruciais da ficção que construí.Mas grande problema, encontro na tentativa de transformar estas palavras mencionadas em atitudes concretas.Acho que um pintor deveria sempre imaginar sua musa inspiradora andando pelas ruas. Sua obra deveria viver sempre as mesmas situações de pessoas comuns. Os mitos, assim como as obras-primas, são talvez as maiores bestialidades criadas pela ignorância humana.

17 abril 2008

Reclassificado

Não me encontraram nos classificados.
Hoje, abri-me nas páginas de esportes, e numa rede de tênis, espichei meu corpo. Do aro da notícia da NBA, uma bola veio em minha direção. Fui ligeiro, e desviei-me sem pestanejar; caí no Morumbi. Era dia de jogo. Ainda tinha torcedor reclamando da arbitragem; ainda tinha vestígios de alegria; Em vermelho, branco e preto, os tricolores saíam a comemorar mais uma conquista. Decidi fazer campana por uma noite.
Ao acordar, com a boca com gosto de cabo de guarda-chuva, ou corrimão de metrô, fui ao lavabo da página de saúde. Na gastronomia, encontrei meu pai em um outro restaurante. Acho que esse trabalho de garçom deve ser muito cansativo. O admiro por isso.
Precisei ir ao caderno das cidades para saber como andava o trânsito. Pela Marginal, engarrafamento monstro até a chegada da Ponte João Dias. No sentido centro, a complicação era ainda maior. Será que um dia encontrarão um jeito para este caos? Não sei bem, mas quem deveria dar soluções, no momento faz articulações políticas. Afinal, outubro está aí, e sem uma base aliada que possa fazer frente, não se pode dizer que existe uma candidatura sólida. Ao menos era isso que diziam alguns dos comentaristas de política. Estavam todos em polvorosa, pois nada ainda tinha sido definido, e com tais impasses, maior era o número de alianças, de intrigas, e, logo, maior era o tempo que as notícias sobreviveriam.
Mas voltei ao meu caminho.
A temperatura era agradável. No rodapé do caderno das cidades, temperatura de 25°. Como aquilo tudo estava mudando. O bairro mais perigoso do mundo – como outrora conhecido – seria o local de nascimento do primeiro astronauta a pisar em marte. Não o primeiro astronauta brasileiro, e sim o primeiro astronauta em todo mundo.
Um orgulho para o Capão Redondo.
Equipes do caderno ciência estavam presentes em diversas ruas do bairro.
Jornais concorrentes faziam fila para me entrevistar.
Eu me recusei.
Voltei à capa do Jornal. Agora como farsa.
Não foi muito difícil, mas após investigarem um pouco da minha formação acadêmica, descobriram que, nem astronauta sou. Não passo de um impostor. Sou um escritor barato, que vive no mundo da lua. Confundiram tudo. Não era marte, era lua. De lunático, talvez. Não me importei. Já estava nos céus.
Deixe-me em paz, pois de hoje em diante estarei em marte.
Anunciei neste mesmo jornal, neste mesmo classificado, que me desclassifiquei deste mundo que precisa de um periódico para anunciar sua realidade, ao invés de reclassificar a periodicidade de seus sonhos.

14 abril 2008

Inquietudes de Um Menino

Olhou torto, mas não esboçou palavra.
No canto da sala, ficou a observar a movimentação da criançada. Um menino de mais ou menos uns quatro anos chamou bastante a atenção. Sim, decerto era uma criança. Mas tinha um pesar no semblante, que fazia com que a testa se franzisse, e, que, cada dobra acima dos olhos, mais parecesse uma ruga de preocupação. Um sinal claro de que as ações do tempo deterioraram o aspecto jovial de sua existência. Não pegava Lego ou carrinho de bate-bate. Isolava-se do batalhão mirim, e se anarquizara por opção.
Henrique, ao sentir essa protuberância do tempo, tentou pegar o menino no colo, ou ao menos se socializar com o garoto. Mas não obteve êxito. O garoto deu de ombros às investidas de Henrique, e como medida preventiva, tratou de recuar três passos. Em seguida, fechou a cara.
Agora dava medo. Fazia questão de passar essa mensagem.
Ao perceber o clima hostil, Henrique tentou um diálogo amistoso:
- Ei, pode ficar calmo. – com os braços abertos em busca de uma receptividade, ou pelo menos, para passar ao guri, a imagem de diplomata – Eu quero ser seu amigo, rapaz! Como você chama?
O menino ficou em silêncio. As outras crianças por um instante pararam de brincar e tomaram ciência do que acontecia na sala principal do orfanato. Henrique pôs em prática sua percepção aguçada, que anos atrás fora elogiada, por grande parte das pessoas que faziam parte de seu contato social. Declinante contato social, diga-se aqui.
Tentou se afastar e buscar paz, mas não alcançou nem uma, nem outra. Como seguira conselhos de sua prima Danúbia, dedicou-se à hábitos mais ligados a civilização oriental. Tentou bravamente equalizar os seus ombros. Tentou a serenidade da alma, tanto por religiões, quanto em pensamentos e filosofias. Fracassou em tudo. Juntou-se em frustração, acelerou o carro depois de um enfadonho dia de trabalho e parou num Burger King. Mas estava sem fome, pediu só uma Coca-Cola.
Alice estava no pátio.
Já havia falado do menino com cara de homem.
Do homem que se habitou no corpo de um menino.
Para ser sincero, Alice já havia mencionado o semblante daquele menino, por incontáveis vezes, com Henrique. Falava de todos os meninos. Do Celcinho, que tinha uma calça amarela do Bob Esponja, e que toda vez que via Alice parando o carro, ou dobrando a esquina, já corria para o portão em busca de um caloroso abraço, coisa que só poderia ser feita pelas tias da instituição; Tinha a Ferruginha, que ficava pior que pimentão, quando alguém fazia alguma troça, ou quando a colocavam em situação de exposição pública, deixando seu rosto a arder, e suas pintinhas ainda mais rubras; A pequena Dani, que acabara de chegar na Casa das Tias, mas que não tinha vergonha alguma de se aprumar, dada e faceira que era; O Miltinho, que parecia mesmo o Milton Nascimento, com aquele cabelinho todo arrumado pelas Tias, e com a vertente afro completamente exposta; Tinha tanta criança agradável. Tanta criança cheia de luz, e tinha também o misterioso, o incompreendido, Lucas.
Ela detestava trata-lo assim, mas era inevitável;
Sua presença assustava os adultos. Ou talvez, sua ausência fazia com que os adultos buscassem sua presença. Ele já fora estudado até por um estudante de sociologia, que analisou as estruturas sociais de uma sociedade mirim. Foi engraçado, porque as bases hierárquicas, os perfis de liderança e os excluídos, foram detectados desde o primeiro estudo. Foi preocupante demais a conclusão do estudante. Com base em seus acompanhamentos, grosso modo, ficou decretou-se a definição sim de uma pequena sociedade, que já era provida de desigualdade. E falamos de um grupo de crianças de três a sete anos.
Mas, Zeca, o estudante, não conseguiu fundamentar o comportamento de Lucas. Teve que buscar apoio de alguns professores e amigos psicólogos para esboçar uma teoria breve, da situação do pequeno.
“Uma figura que não apresenta carisma, não tem perfil de liderança, mas que também não compartilha a plebe dos excluídos. Os que mais apanham, mais choram, mais têm brinquedos quebrados; Os outros, o observam com um certo receio. E ele, nem olha para a cara deles. Aliás, não olha nos olhos de nenhuma pessoa. De quando em quando, dá a impressão de que soltará um breve sorriso. Mas deixa claro que não será um homem que colocará sempre seus dentes à mostra. Contido nas atitudes, respeitado nas ações, exerce o papel de guru espiritual, de pajé, de monge. Mas o que menos se vê em Lucas, é espírito, alma, vida. Lucas é o retrato da existência humana sem paixão. Uma racionalidade ordinária, cansada. Não há em Lucas ânsia pela descoberta. Mas é inegável, que qualquer um que dá de olhos com o guri, não tem mais o controle das emoções. Como um pequeno bruxo, esta criança despeja seu feitiço – para o bem e para o mal; Uma pena, talvez seja um gênio incompreendido, uma figura antes de seu tempo, mas o que fazer com uma criança de apenas quatro anos que já escreve perfeitamente? Ela já sabe que incomoda, e, acima de tudo, ela já se sente incomodada com as inquietudes da mente humana”.

...

11 abril 2008

Campana Feita

Inseguro, fez campana à espera de uma resposta.
Comeu palavra, costurou tempo, despiu-se aflito.
Na janela, o horizonte turvo, insolente, nada diz.
A sofreguidão, não arrebatou nenhuma angústia.

Decerto, já é hora de acender a luz, um cigarro.
Dobra a esquina, como dobrara outrora os joelhos.
Não sente mais as dores, nem os calos, nem nada.
Concentra-se apenas em uma resposta soberana.

Não pergunta mais. Tem medo de gerar polêmicas.
Já foi inquisitivo por demais. Chegou a hora de calar.
Cala o coração, a alma, os ouvidos, os olhos, a boca.
Cala a chama de sua existência. Entrega-se ao silêncio.

Este, de quando em quando, vem e lhe dá conselhos.
Talvez seja pouco, pois já não tem mais o que perder.
Já nem sente mais insegurança. Maduro, sai do abrigo.
Campana desfeita, resposta ascendida, rumo ao norte.

Uma passada no sul, para rever a saudade. Doce saudade.
Segue em frente. Vê ao seu lado quem olha pra trás.
Dá de ombros e chega a sentir certa pena dos saudosistas.
Diferencia-se deles. Não vive de saudade. Feliz, apenas vive.

08 abril 2008

O Circo

Se faltar pão, eis o circo:
http://www.vermelho.org.br/admin/img_upload/capa_diario.jpg

Sensíveis de plantão que me desculpem, mas não agüento mais o caso Isabella.
Se o sensacionalismo ainda não venceu, ao menos minha paciência já foi nocauteada.
Não se trata de insensibilidade, ou descaso com a triste e vexatória história de assassinato da pequena criança.
Na realidade, não existe mais espaço na minha mente para casos como esse.
Vejo nas ruas, nos botecos, e nos mais inusitados lugares tal discussão. A busca incessante pela resolução do crime número um do país. Todos formulam palpites, teorias e acusações sem o menor embasamento. Trata-se de um momento de expor a criatividade, canalizando-a para o lugar completamente equivocado.
Enquanto a população se dispersa, o mosquito da dengue volta a fazer novas vítimas no Rio; os escândalos dos cartões coorporativos, dossiês, e, até mesmo os outros crimes hediondos são esquecidos.
Ninguém dá a mesma importância ao caso do Tibet livre, invasão no Iraque, e outros conflitos internacionais. Lógico, “é tudo muito longe daqui”, “Não é problema nosso”, “Eles que resolvam o problema”. E essa é a tendência natural.
A venda de jornais popularescos aumenta; a audiência de programas que dão cobertura ao caso, por quase toda a sua duração, aumenta; só não aumenta a paciência do pobre ser que em casa – ou na rua – tem que ouvir os mesmos comentários, as mesmas farsas, os mesmas julgamentos.
Sinceramente, espero que esse circo termine logo, e que um novo espetáculo recomece, porque a lona que está aí armada, pode ruir a qualquer momento, sem que a justiça seja realmente feita, sem intervenções da mídia, da própria opinião pública, e que a alma da pequena criança, tenha seu descanso legítimo. Descanso esse, longe da verdadeira insensibilidade que mais uma vez é alimentada por nossa platéia, digo, pela sociedade brasileira.

07 abril 2008

Sentimentos de Propósito

Dizia não ter propósito.
Amanhecia com a noite, e adormecia seus olhos pela manhã.
Era amigo da Promessa e da Culpa.
A falta de compromisso o deixou confuso.
Comprometeu-se com a Desordem, então.
Fez um rascunho de seus planos para destruir a Solidão, destruiu o rascunho.
Digno. Não seria reto ter um roteiro para encontrar a Felicidade.
Bem que ela tentou marcar um encontro, mas ele não compareceu. Ela, a Felicidade, ansiosa e cheia de calor, chegara com o intuito de fazer frente às Sombras. Mas sua jornada foi inglória. Sempre contraditória, ficou a esperá-lo, mas ele não se apresentou. Em nenhum dos encontros.
Ele, o Amor, foi o mais injustiçado.
Tentou sempre chegar a tempo do encontro com a Felicidade, mas sempre tinha que comparecer na casa da Angústia, sua amante. Tentou sair algumas vezes com a Paixão; mas esta, era louca demais, nunca Constante. Tinha ápices e delírios que o afastavam da Paz. Flertou com o Companheirismo, mas como esse tal Companheirismo era o filho único da Fraternidade, a relação não poderia dar certo.
Fez-se só.
Não pôde ser compartilhado.
Não pôde ser ouvido.
Entendeu assim, que o Amor por mais que se apresse, só encontrará a Felicidade quando ambos estiverem no mesmo propósito.

06 abril 2008

Os Amigos da Augusta

- Levanta logo filho da puta.Cadê a porra da chave?
- Já disse num tá comigo. O Mago veio aqui antes e fez um arrastão. Num deixou merda nenhuma. Até as pílulas ele levou.
- Veado de merda. Caralho, se eu encontro um filho da puta desses na rua, eu estouro meus dedos de tanto socar a cara dele. Você sabe onde ele foi, seu cabaço?
- Não, Johnny.
- Mano, falo sério. Se ele tiver com a porra da chave, vai dar bosta.
- Com a chave, e com todo o resto.
Johnny saiu apressado. Não tinha nenhum respeito. Nunca teve. Se bem que o idiota do Fogueira não merecia muita consideração. Sempre foi um imbecil de renome. Ninguém que caia pros lados da Augusta, não tinha uma história na ponta da língua ridicularizando o pobre do Fogueira. Acho que deve ser por causa do seu jeito meio altista, seu corpo franzino, aquele cabelinho loiro de menino de comercial de loja de brinquedos, ou sua cara de perfeito vacilão.Outros dizem que é por causa da criação. Ou pela falta de criação. Abandonado, foi jogado de orfanato à orfanato até completar a idade de cair no mundo. Lógico que caiu de cara. Não fez nada certo desde sua saída do último abrigo de menores (o nome da instituição não convém aqui). Poderia inventar um nome qualquer, mas num vem ao caso. Diziam que ela era tão azarado, que “seria o primeiro loiro com sina de garoto negro”.
Já o Johnny era o típico bad boy. Sua fama o perseguia, e quando não perseguia, ele fazia questão de voltar atrás e traze-la a força, coibindo qualquer pessoa que estivesse no caminho para atrapalha-lo. Entre a fragilidade e a truculência, estava o Mago.
O equilíbrio do trio de amigos, Mago, era um cara sonhador. Um desses que ainda acreditam nas pessoas. Pior espécie essa. Típicos pacifistas. Intermediadores. Que querem corrigir os que torturam, e fortalecer os oprimidos. Muito patético.
- Tô saindo agora. Tem idéia de onde ele pode ter ido, ô sua bicha loira?
- Então, velho. Acho que ele colou com os malucos da 9 de Julho, aqueles do posto. Ele tava por lá, enquanto os malucos tavam cheirando lá atrás do posto. Na sexta eles chegaram a entrar na DJ, mas parece que hoje o Mago ta meio sem grana. Acho que eles vão ficar ali no bar da Outs mesmo. Se ta ligado que o Mago adora aquela porra de Juke-box, né?
- Sei como é. Então, mas e o carro, porra?
- Acho que tá com ele mesmo. Faz tempo que o Rato num passa e pede a chave emprestada.
- Caralho, só porque hoje eu precisava dar uma transada daquelas. A mina ta louca pra dar. E eu num quero colar com ela atrás da casa dela. Isso é coisa de estuprador. Mano, é do tipo fina, ta ligado? Num dá pra comer em qualquer porra de lugar não. Qualquer dia ela vai chiar e começar a dar pra outro maluco. Ela tem cara de certinha, Fogueira, mas é a maior vadia. Se manja quem é, né?
- É aquela loira gostosona, que você conheceu no madame e pegou o msn?
- Não porra, aquela praga cheirava mais do que eu. E sempre sobrava pra mim. Eu que tinha que pagar o bagulho.
- Ah, tá. Pensei que era ela.
- Não, seu bosta. É a Vanessinha. Lembra, quando a gente tava na festa na casa da Paula, ela deu maior mole pra mim. Só que ela tava com um maluco. Mas deu pra ver na cara dele que era o maior jão. Eu fiquei meio cabreiro no começo, mas depois mandei um foda-se. Enquanto ele tava lá embaixo, eu fiquei com ela lá perto do som. A gente entrou no banheiro e eu mandei uma dedada nela. Você tinha que ver. A mina já veio se abrindo. Na hora eu percebi que era transeira. Ela veio pra me chupar. Mas aí, a Luana tava na porta e deu um toque. Saiu toda descabelada. Eu fiz uma média, depois sai de boa.
- Porra, então a mina é dessas.
- Cara, lógico que é. Engana bem, né não?
- Só, velho. Eu achava que ela namorava a sério o Ricardo.
- Que nada. Aquele ali é um troxão.
- Mas aí, tentou ligar pro Mago já?
- Lógico, porra. Só dá caixa postal. Acho que vou ter que chamar a Vanessinha pra cá. Vai ter que vazar, hein?
- É. Sempre sobra pro idiota do Fogueira...


Continua...

04 abril 2008

Sinais

Sinal vermelho.
No MP3 player, ouve Stones.
Sábias palavras que o tio Jagger veio desabafar: “You Can't Always Get What You Want”. Nem sua mãe poderia ser tão precisa. Talvez não prestou muita atenção, quando as palavras maternas tentaram formar um cidadão menos dependente; uma criança menos mimada. Nada adiantou.
Os anos se apresentaram, mas o desejo de querer tudo, sempre foi uma constante.
Nem mesmo as primas derrotas transformaram aquela essência de ser, em um humano mais lúcido. Cresceu perdedor, mas fortaleceu seu ego com alucinações e frivolidades, que derrocaram seu caráter.
Mesquinho e inseguro, tratou a vida com extremos. Não se manteve atento em relação ao imenso e rico caminho que diferencia vencedores de perdedores. Existe uma gama infindável de defeitos e qualidades que habitam essa distância. Cada esboço, cada tentativa, cada peculiaridade. Descartou tudo isso em nome de uma sociedade punitiva, que não compactua com a fragilidade, com o choro, com a segunda chance.
Na ânsia de ser o melhor em todos os momentos, esqueceu de viver esses momentos. Programou-se. E, nesta programação, não foi capaz de distribuir bem os instantes em que deveria se dedicar às coisas simples. Mas até hoje, isto não faz a menor falta.
Em seu Sedan, o ar condicionado é a brisa daqueles que não sonham. Mas, injusto seria dizer que não sonhou. Teve sim uma meta. E eis aí a grande diferença. Projetou sua felicidade, entregou-se à em bens de consumo, à estruturas materiais. Rendeu-se ao palpável (não falo aqui do toque de mãos, de corpos que se encostam, de olhares que se cruzam, ou por vergonha, se protegem); Menciono o carro, a casa estruturada, o terno, a gravata, o sapato, o equipamento de áudio e vídeo. Seus bens, que fazem bem, apenas à sua distração. Jamais sentiu o frescor da liberdade.
Será que é o momento de uma redenção?
Enfim chegou a hora de concentrar seus esforços na tentativa de resgatar sua natureza perdida?
Está atrasado.
Não perde seu tempo com reflexões dispensáveis. Apenas segue reflexos, como o de passar a primeira marcha.
Sinal verde para a ignorância.

Nuvens Despidas

Quando não houver mais tempo, perca seu tempo em mim.
Não finja que não pode, não finja ao meu triste coração;
Somente a chama do nosso amor queima mais que o fim.
Somente o nosso crepúsculo nos levará à legítima redenção.

Não sou ingênuo em crer na aurora de uma nova chance.
(Nossa história não tocará no rádio, não passará na teve);
Não somos canção pronta, nem novela, tampouco romance.
Somos o fruto de nossa derrota, somos semente de quem crê.

Como não acredito, sigo sozinho, sem fronteiras, sem nação;
Fui libertado, mas vivo de sonhos, para os sonhos, em vão.
Pelo prazer de negar a crença, dissipo-me ao abraçar o tempo.

Os olhos curvados contemplavam sua alma tímida, lembrança.
No chão, nossos errôneos passos, nosso tablado, nossa dança.
No céu, nuvens se despem e se recobrem quando sopram o vento.

03 abril 2008

Acasos

Ao acaso, fez-se maior que a própria dor.
Dor que desfrutou, e sorriu de seu acaso.
Negou sua paixão, envolveu-se na tolice.
Não cortejou somente um tolo abandono.

Resignado, viu a existência na resistência.
Contra as sombras, mirou os olhos ao sol.
Ofuscado pela inocência, perdeu até a fé.
Seu templo foi razão; e a razão, sua alma.

Vendeu-se, seduziu-se, cedeu-se às idéias.
Por acaso, seus pobres ideais se esvaíram.
Aceitou o convite de se apaixonar de novo,
Mas fez-se asno, de asneiras se alimentou.

Não viu plenitude em vida. Não viu a morte.
Esqueceu a razão, mas antes descobriu, sim:
A morte é a conseqüência congênita da vida;
Já a vida, é apenas uma seqüência de acasos.

01 abril 2008

O Moço e o Mar

Não é com este barco que deves navegar.
Se o mar praguejar ondas em ti, lembre-se:
Ele apenas exerce seu direito sobre a maré.

Se o estômago embrulha, devolva o presente;
Faça cara de desentendido. Se lance ao sal.
Tire do corpo a camada áspera. Deixe resquícios.

Sinta-se um bife à milanesa. Não um filé.
Talvez um pescado. Mas não uma carne nobre.
Nem pescado. Sua carne é vermelha na essência.

O sangue que pensou em derramar, e não o fez;
Preguiçoso demais para tais sacrifícios.
Nunca levou nada ao altar. Nada e ninguém.

Jamais se alucinou, não fará cerimônias.
Atribulado e incorreto, apenas quer o mar.
Mas será que sobrevive à próxima tribulação?

Não conhece o mar, não conhece o barco.
Outrora, ouviu lendas e contos de marinheiros.
Mas não há sereia que encante a realidade.

31 março 2008

Se...

O meu futuro será a angústia do presente.
Se o presente é meu, ou seu, desconheço;
O que fazes agora não importa;

Não sabes do amanhã. Se é isso que queres,
Se não se arrependerás, se faz a coisa certa.
Se soubesse o sentido do se, seria mais ser.

Se o se não existisse, o que seria do ser?
O que seria dos seres, se o que é fosse apenas
Um se mal resolvido, ou se não existisse?

Se os sonhos fossem alimentados de suposições?
Se as suposições alimentassem as certezas?
E se fosse possível e previsível ser feliz?

Se eu bem recordo, o amanhã não se sabe.
Não se diz, não se cala. Ele vem. Se vem...
Se eu pensar no se, não serei o amanhã.

E se o amanhã teimar em vir. Que se foda.

Calar-se-á?

Entregou o poema, não o dilema.
Não se entregou, nem fez questão.
Não respondeu. Nem perguntou.
Calado. Lacônico. Angústia resoluta.

Uma pausa para o café. Um lampejo.
Gole negro; Tenta buscar a idéia.
Ela foge, arredia e preventiva.
Não faz parte do dilema. Nunca fez.

Nas revistas não recorta esperança;
Nos jornais, notícias de um velho mundo;
O que há de novo além de solidão?
O que há na solidão que sente de novo?

O menino corre pela rua.
Já é hora de ser atropelado?
Não. Esse é aquele que vai vender chiclete.
Mas é temporário. Logo o crime flertará.

E de quem é a culpa? Do Café?
Do poema? Da prosa? Da Poesia?
Ou das Idéias, que desde que entraram,
Não deixaram a fresta da razão se calar?

Calar-se-á?

28 março 2008

Luvas

Tenso. Mina o visível descalabro.
Arredio, não quer abraçar as ruínas.
Está certo. Muito foi feito até então.
E agora, desistir? Abandonar as obras?

Não tem idéias a suprir. Admite e se cala;
Guarda baixa, olhos cansados, cabelo amassado.
Está nas cordas, está na lona, está no chão.
A contagem é aberta. A derrota é aguardada.

Na platéia, entre uivos e delírios, entende a idolatria.
Não é mais herói – talvez nunca o foi – E isso dói.
Dor seca, lancinante e solidária. Sua derrota,
Não cabe mais em uma garrafa de doze anos.

Suas lamentações, talvez; Todavia, o único gelo que vê
É o que colocam em seu rosto quente. É físico, é latente.
Antes fosse depressão (comprimidos tem controlado);
Antes fosse paixão (coração tolo tem de sobra);

É sangue. Amanhã, quando aparecer na teve, será passado.
O futuro, mais uma vez deixará claro, que não tem presente.
Lembrará dos primeiros treinos e da ânsia de ser um campeão.
Mas no hospital, apenas a mídia sensacionalista dará notícia.

Sem amigos, nem inimigos para sorrir de seus hematomas.
Sem impaciência para sair dos aparelhos e descer para um quarto.
Na UTI, aproveitará a paz e abraçará o ermo de seu existir.
Se tiver sorte, uma enfermeira descuidada desligará os aparelhos.

Quem sabe, volta a ser campeão?
Vencedor de suas inquietudes e dramas.
Merecedor do cinturão mais nobre.
Calmo. Mina a invisível conquista.

Abre o Sorrir

Os olhos curvados ao sorriso;
Olhar ancho, que sorri e conforta.
De soslaio, diz apenas o que basta.
É fartura, para quem tem solidão;

Esplendor, para quem se escurece;
Não atrai os raios que esguelha;
Não conduz a luz que a apaga;
Opaca, conforta-se em palavras turvas.

Escreve e não lê. Desconhece a história.
Faz parte do enredo, mas não estuda...
Os capítulos desordenados de cada manhã.
Eis a noite. És a noite. Reza a noite.

A fé cerra o olhar, mas abre o sorrir.
Ainda tímido, crê no que contempla.
E se não enxerga o quê admirar,
Orgulha-se apenas de teu sorriso.

26 março 2008

Despertador

Deixe que eu te toque sem medo.
Deixe que meus dedos sejam nossa sintonia.
Se disser não, não faça olhando pra mim.
Deixe um recado.Eu entenderei.Sou covarde.

Sou covarde, porque nunca soube
Enfrentar o mundo sem tua presença.
Patético sentimento de quem não vive.
Sobrevive ao amar sem medida.

Mede-se e se mete com a loucura.
Enlouquece e ainda quer mais.
No ápice, não quer voltar à mediocridade.
Esvairá-se na primeira manhã solitária.

No outro lado da cama, a paz;
No centro, a espera por dias melhores;
No lado esquerdo, o coração solitário;
No relógio de cabaceira, é hora de despertar.

O Adorador

Abrigado, Joel não trás consigo mais nenhuma característica de retirante: Hoje tem residência fixa; não busca mais uma estrela que norteie seus passos; e pode, certamente dizer que encontrou seu lugar. Sim, Joel hoje tem um abrigo, não um lar. Um viaduto não pode ser considerado uma moradia. Quando se utiliza a nomenclatura de “residência fixa”, todo e qualquer transtorno de um lugar fedido e úmido é ignorado. Todo o barulho de carros desgovernados e jovens bêbados, que toda noite fazem companhia à insônia de Joel são jogados ao esquecimento. Afinal, não é nenhum sociólogo ou agente do Estado que comprove a salubridade de seu arruinado abrigo. Não têm quadros na parede. (apenas uma rachadura enorme, que parece crescer, cada vez que um caminhão passa em alta velocidade na parte de cima de sua pseudocasa).Joel tem sorte de seu viaduto ficar em frente a um restaurante popular, onde se alimenta com certa qualidade, por apenas um real. Isso pode ser convertido em duas pulseiras que vende com o lucro de cinqüenta por cento. As compra de seu amigo hippie, Raul. Vizinho de desgraça, parceiro empreendedor, sócio e cúmplice de Joel. Mas Joel, o trabalhador, não precisa mais arar terra seca; Joel, não precisa olhar os cactos e expurgar seu sumo até que extraia algum tipo de alimento, que conforme seu estômago por algumas horas, enquanto se apronta pra ir cortar cana, de sol a sol; Não precisa andar léguas em busca de um balde com menos de um litro d’água amarela, rica em doenças e viroses; Joel é um homem da cidade. Um trabalhador. Logo se mudará para um cortiço, oxalá, para um barracão de qualquer favela mais próxima. E, em pouco tempo, quiçá terá a oportunidade de dividir dois cômodos em algum lugar por ali mesmo, região central, onde seu empreendimento medíocre se instaurou. Joel é um homem bem-sucedido. Joel é hoje um Serevino Metropolitano, que se orgulha de ter abandonado suas raízes, sua história, para se aventurar em busca de uma estrela guia, que, de rio em rio, o levou a encontrar nas águas da cidade que caem dos céus, a seca de sentimentos que conforta o seu total desamparo.Mas, segundo sua mãe dizia, Joel significa adorador de Jeová, o seu Deus. Quem sabe, entre uma prece e outra, seu admirável criador lembre-se que aquele papelão nunca poderá ser chamado de cama. Dorme Joel, que amanhã o dia será duro como o de hoje.
O que adorar, então?

18 março 2008

O Invasor de Sonhos

Poderia ser uma noite qualquer.
Poderia ser um sonho comum.
Mas dada pode ser tão simples,
Como o sonho que temos em comum.

Amenizado pela brisa notívaga.
Apaixonado pelo sol da manhã.
Reflexo de uma reflexão breve
Eterna calmaria, soturna e vã.

Os olhos se fecham, abre-se o sorriso.
Os lábios serram-se ao olhar em minha direção.
Eu vejo esse beijo, eu escuto esse beijo.

Voz do desejo mais clichê. Rima óbvia.
Como nossa voz. Como o Invasor de Sonhos.
Como o mesmo sonho de uma noite qualquer.

10 março 2008

Impérios




Herdeiro de um trono anárquico.
Príncipe de um império livre.
Liberto por acreditar nesse reino.
Rei por crer em tal liberdade.

Romântico em sua racionalidade.
Racional em todos os romances.
Apaixona-se sempre com razão.
E tem razão em ser romântico.

Cético, crê em dias melhores.
Em suas crenças, não acredita na dor.
Fiel a esses instintos, apenas crê.
Crê até quando não acredita em si.

Diabólico, já tentou ser anjo.
Angelical, já tentou fazer cara de mau.
Do céu, não têm referências.
Do inferno, não têm lembranças.

25 fevereiro 2008

Tentativas

Copiosamente, sua escrita chora. São lágrimas ácidas, que queimam o papel, mas não fazem esforço algum para saírem de verdade. Esboços patéticos e resignados, que se recolhem na incongruência dos fatos. Como sempre, convergem-se dispersos, e no final de cada página, a história mal contada, perde-se em cada página sem numeração. Os dados não fazem sentido. Os verbos não são harmoniosos; e, o esboço, não passa de uma frustração.Olha na lata de lixo, e vê algumas histórias semelhantes. Recorda de momentos de cada uma delas. Tenta achar falhas no roteiro, para que em uma próxima resenha, tais falhas possam ser alertadas de antemão. Não consegue encontrar a obviedade entre elas, e, mais uma vez, consternado, arranca com força a folha de papel, que mecanicamente aliou-se ao caderno de anotações. A lixeira transborda. As idéias dissipam-se a cada tentativa. Priva-se da honra de escrever sua felicidade. Memórias arruinadas pela ânsia de prosperidade o conduzem a chorar novamente. Copiosamente, sua escrita retorna a chorar. Nem mesmo a fé, que ainda faz com que se apóie em prováveis dádivas, juras ou possibilidades, faz com que sua alma respeite a idéia da concretização de todas as suas crenças mais abstratas. Bajula o sofrimento, como sinal de que, aprendeu, aprendeu com seu rascunho de realização. Muda a página e começa a tentativa de uma nova história com apenas três letras, paz. Eis o primeiro passo. Eis a primeira promessa. Eis a célebre ilusão de quem sonha, e decide transformar esboços utópicos, em dias realistas.

Estações

Não é justo escrever nesse estado.
Nesse Estado, a justiça não existe.
Cega, ela apenas se curva ao verão.
Provavelmente, tentou enxergar algo.

Não. Não brinque de ser tentador.
Sim. Tente e canse. Recomece.
Eu também cansei. Nem assim venci.
Qual o sentido de recomeçar?

Se for pra frente, dou meia volta.
Se for pra trás,dou meia hora pra lembrar.
Se for pra desviar,dou meu apoio.
Se for pra viver, dou de ombros.

Mesmo assim, vivo. É o que resta.
É o que presta. É o que consta.
Viver de sonhos é a realidade
Que apenas na inocência sonhei.

20 fevereiro 2008

VI

Chego em casa com uma larica do cão. A Nádia está no canto esquerdo da cama, em profundo silêncio. To ligado que ela tá acordada e que sabe onde eu tava.Sabe sim o que e fui fazer. Sente o que meu corpo busca nos momentos de extremo prazer ou de extrema dor. E, entre esses ápices, umzinho pra não perder o costume. Pronto. Fez-se um viciado. Eu poderia resumir minha vida em uma frase: “Um ninguém que não busca redenção.Um alguém que se rendeu à maconha”.E é essa porra que me incomoda. Eu queria ser como os manos do escadão da pracinha. Os caras ficam de boa lá na deles, sem dar guela mesmo, que nem naquela música. A comunidade sempre passa em frente dos maluco, mas ninguém comenta nada. Uma hora ou outra,algum Zé Povinho faz algum tipo de denuncia, e os caras dão um sumiço. Mas esses caguetas só fazem isso, porque morrem de inveja. Não é nada contra o consumo de drogas. O que deixa o povo repleto de inveja é o fato de os manos ficarem lá aproveitando um dia de sol, enquanto a maioria da população dali ta trampando pra caralho no centro, ou em qualquer lugar bonado. Isso fere o ego do trabalhador honesto. É uma frustração sem tamanho. Pra quem é mente fechada, isso é pior do que assalto. Pior que o próprio tráfico. Pior que o próprio crime.
Deito sem fazer muito barulho. Pego o lençol e tento esticar até meu queixo. Tá foda. Acho que é melhor tomar uma ducha. To sem sono mesmo. E nem tem nada a ver com o consumo de maconha. Levanto aos passos calados. Entro no chuveiro que de ducha num tem nada. Olho pro meu corpo e começo a reparar a porra de banha que ta crescendo na minha barriga. Caralho, isso aqui já ta parecendo uma pochete. Eu to só com 25 anos. To começando a ficar com corpo de tiozão. Amanhã mesmo vou voltar a fazer abdominais e a puxar os ferros que tão lá atrás da área. Acho que deve ter uma barra enferrujada. Aquela da Academia que fechou mês passado. Se pá os caras mudaram prum lugar melhor; dane-se, peguei o bagulho lá na humilde, o dono disse que podia catar então já era. Faço a barba e ainda lembro dos dias que num tinha um só pêlo na cara. Do primeiro beijo com aquela mina lá do Magalhães, acho que era Jaqueline o nome dela. É, é isso mesmo. Jack. Mina da hora demais. Comecei bem. Mas também, ela pegou a rua inteira. Se num me engano, fui o terceiro. Mas aí, ela confessou pro primo dela, que o melhor beijo foi o meu. Essa parada me deixou feliz, mas nem tive coragem de dizer que era a minha primeira vez. Achava que por ter onze anos já estava velho demais. Também, os caras viviam contando que comeram a Alessandra em três. Nem pensava em gozar ainda. Mas se eu falasse isso, se eu entregasse isso pra eles, talvez os caras estariam me zoando até hoje. Nem é bom dá essas brechas assim. É tipo se os caras descobrem um apelido. Num adianta você negar, ficar puto, sair na mão. Nada disso. Uma vez que percebem o teu ponto fraco, te avacalham até o fim.
A brisa já tá passando. Vou à geladeira e faço um segundo tempo.
Dou mais um tempo jogado no sofá. Uma última olhadela na janela ao longe. Crescimento urbano desordenado; ruas mal iluminadas; bares; bêbados nos bares; becos; viciados nos becos; abandono; eu e a quebrada no abandono.
Penso no Luna. Penso no plano.
Mais nada vem na mente.
Acho que vou falhar amanhã.
Melhor deitar.
Melhor deixar que os sonhos possam reorganizar minhas idéias, enquanto tento descansar e esquecer um pouco toda a merda que aconteceu com o irmão Lunático.
- Aí Robas, que sonho é esse?
- Sei não cara, consegui dormir só agora, nem entendo esses lances de sonho não!
- Pode crer. Que porra é essa de cidadania e revolução?
- Então, tô amadurecendo uma idéia, esses dias aí. Sabe, pra falar a verdade eu sempre tive um lance meio pilhado assim comigo, manja? Mas depois que vi todo mundo chorando lá por você, comecei a ficar irado. To bolando um lance aí com uns malucos aqui do Capão e, se tudo der certo, à partir de amanhã a gente vai montar uma “firma” diferente. Os filhos da puta lá de cima vão tremer, cê tá ligado?
- Só. To ligado sim. Mas aí como você vai fazer essa parada?
- Então, amanhã a gente vai marcar uma ponta no shoppinho. Daí vou lançar tudo. Depois, vamos colocar a porra do plano na prática. Ficar parado nem cola mais.
- To vendo que você ta animado, truta.
- To sim. Eita porra!? Que merda é essa de pipa andando de carrinho de rolemã?
- Ah, eu to voltando pra infância ta ligado? Aqui ó ? Tá vendo meu Qchute?
Usava ele quando passava o programa do Bozo.
- Porra cê desenterrou essas porra, Lunático. Caralho, olha o Bozo colando na rua da feira.
- Ah, mas essa parada é da hora. Vamo cola com ele. Chega pra lá palhaço!
- Alô Criançada!
- Que horas são?
- 5 e 60, é claro.
- Só...
- Aí, pega um suco desses aí, Robas.
- Esse é firmeza. Mas nem vou pegar o de 38. Vô ficar com esse aqui do trem.
- Só. Aí, aproveita a viagem, amigo. Vou pro outro lado. Acho que subo a serra. Cê cuida da Jana?
- Claro, velho. Cê ficou bicado comigo?
- Não rapá, tu fez uma escolha. A Nádia é uma mina bacana, vai de boa. A Jana vai se encontrar.
- Também acho. Ela merece um cara foda.
- Aí, o palhaço já pegou o trem.
- Vai lá, Luna. Aproveita pra descansar.
- Lógico que vou descansar, tio. Mas antes, vou fazer uma hora extra. To por aqui enquanto vocês estiverem nos trilhos da revolução.

19 fevereiro 2008

V

A Nádia chega com os olhos inchados.
Eu peço licença pros caras e firmo a ponta pra amanhã. Ninguém contradiz. E, todo mundo se dispersa. Agora, perto do corpo já está a Jana. Tem uns malucos meio alterados no corredor. Se pá tá rolando um estresse. O Tuds cola do lado também. No bolinho estão o Dito, o Bira e JP.
- Se liga, os caras tão dizendo que foi uma parada mais séria a fita do Luna, tio(os manos, de um tempo pra cá, começaram com a mania de chamar os irmãos da rua de “tio”, e essa foi uma das gírias que colou de boa da ponte pra cá).
- Lança aí o esquema, Bira.
- Então, vou desenrolar essa pra vocês. Pelo que deu pra entender tinha cara grande envolvido com tudo isso. Vocês sabem que o Luna sempre teve colê com os coxinhas, tá ligado? Tanto o cara tava de conversinha com os homi, que eles já pegavam a grana diretamente com ele. Os caras do movimento sabiam de tudo, mas deixavam o Luna livre pra fazer as paradas dele. Só que a merda se deu quando ele começou a mudar tudo que tava vendendo. Ele se juntou com alguns pirralhos de idéia errada. E logo esses maluquinhos começaram a sair junto com a playboyzada também. Começaram a levar o Luna pra outras fitas fora daqui. E nessas andanças, ele conheceu um filho de deputado, manja? Os dois começaram a sair direto. Cêis num lembram que ele vivia saindo daqui com aquele maluco do Audi? Então, era ele mesmo. Começaram a fazer várias fitas juntos; Mas o Luna se deu mal. Lembra aquela vez que ele ficou uns tempos fora e que a Jana espalhou que ele tava viajando. Nada. O cara foi pego com uma pá de droga. E, pra fuder mais ainda, ele tava com o vacilão do filho do deputado. Mas nessa hora, quando o Luna deveria assumir a bronca e deixar que os caras resolvessem tudo. Ele logo lançou que era o playba que tava com a sujeira. Mano, foi idiotice demais.Lógico que num deu nada pro ricaço, mas o Luna ficou na merda. Sozinho e jurado. Ele até que fez bem em ficar algumas semanas fora. Mas quando voltou pra casa, ele logo me contou essa fita aí. Ele ia te contar, Robas, mas ele tinha medo de você não entender essas porras, e cê tá ligado, depois que você terminou com a Jana, o cara ficou puto contigo, vocês até se falam, mas a relação nunca mais foi igual à de antes, cê sabe disso.
Nessa hora, eu sabia que o Bira estava com a razão, até me arrependo por não ter feito nada pelo Luna, mas já era tarde demais. A terra caia sobre a vala, e enfim, o corpo começará a esfriar.
- Mas então essa porra foi mandada pelos caras lá do playboy? – Com certa inocência, o Dito realmente ainda tinha algum tipo de dúvida em relação ao que estava claro para todo aquele bolinho.
- Lógico né, Jão! Só sendo vacilão demais pra não ficar puto com os caras. Tenho certeza, que foi fita dada. Apagaram o Luna na pioiagem. – O olhar do João Paulo era uma mescla de ira e lamentação, que se intensificava ao ver ao longe os últimos momentos de lágrimas, enquanto as flores cobriam a terra, e enfim deixaríamos o Luna em paz.
Todo mundo ligando as motos. Tenho uma pequena conversa com a Jana, dou um abraço apertado, ela se despede, efusiva ainda consegue olhar bem nos meus olhos. Eu tenho que disfarçar. Preciso disfarçar. Nem é hora de misturar as coisas. Saio junto com a Nádia. Na frente ainda estão os manos de bolinho. O Japa se certifica do encontro de amanhã.
Eu firmo a ponta.
Mesmo não estando no melhor dos estados, não posso baixar a guarda agora.
Ainda mais agora, que descobri que os malucos lá de cima tiveram ligação direta na morte do meu parceiro. Chegou o momento de usar toda essa ira em pró duma parada que vai pra frente, ta ligado?
A Nádia percebe que estou um pouco aéreo. O busão Capão Redondo passa lotado, deu nem pra dar sinal. Acho que é melhor esperar uma perua mesmo. Se pá aquela do três estrelas passa rapidinho. Dito e feito. Porra, e pra minha sorte quem tava pilotando era o Cebola, o pai do Dudu e do Tonzinho, uns malucos que moravam lá nos predinhos do Tuds. Eu lembro deles, porque a gente jogava sempre uns contra no campinho do Maracá.
Hora de descer. Pracinha do Clarice.
Deixo a Nádia em casa, bebo um gole d’água e dou um beijo no canto da boca da minha mina. Preciso espairecer.
Uma, duas, três ruas. Aqui estou de novo.
Minha quebrada, minha vida, minha recaída.
O mato queima, enquanto não penso em mais nada.
Algumas lágrimas caem, mas ainda consigo ter um sentimento novo. Dou risada da molecada inocente soltando pipa no campinho dos predinhos do Clarice. Pela primeira vez finjo que todos aqueles meninos, todas aquelas crianças, não terminarão como o Luna.
Na rua, ouço um carro que passa com o som no último.
Era Racionais.

“Sempre quis um lugar,
Gramado e limpo, assim verde como o mar,
Cercas brancas, uma seringueira com balança,
Disbicando pipa cercado de criança...

How...how Brown

Acorda sangue bom,
Aqui é Capão Redondo, tru.
Não pokemon,
Zona sul é invés, é stress concentrado,
Um coração ferido, por metro quadrado...”

O Brown tem razão. Melhor voltar pra guerra.

18 fevereiro 2008

IV

Subir a Fim de Semana nunca é sinônimo de coisa boa. Cara, eu olho pros lados e vejo uma pá de gente boa e trabalhadora, mas quando a gente dá uma olhada mais caprichada, dá pra perceber um ou outro nóia num canto qualquer. O Jardim Ibirapuera nunca me trouxe coisa boa. Sempre que eu subia aquela porra, ou era pra fugir do Hospital do Campo Limpo, ou era em dia de loucura dos infernos, ou assim como hoje, era pra chorar a morte de um irmão.
Logo na entrada do cemitério eu vejo dois coveiros fazendo pouca força pra jogar um qualquer numa vala detestável. Mais um nego sendo enterrado como indigente. Esse, nem na morte vai descansar em paz. Acho que a vida após a morte dele vai ser mais conturbada do que o trânsito do centrinho comercial ali do Capão. Logo quando acaba a Ellis Maas, e já começa a Comendador Santana. Porra, aquilo ali nunca ta tranqüilo. Como diria um truta meu, ali é outra lei. Mas tamo no centro do furacão, acho que nem tinha como ser diferente. Ali a chapa esquenta mesmo.
Será que nem depois de morto o Luna vai descansar?
Tem uma bela função na frente da salinha do velório.
Você sabe quando o enterro é na periferia não é nem pela condição precária do cemitério. Geralmente, dá pra saber que tem um pobre sendo enterrado, quando tem um monte de criança correndo entre as flores e túmulos. Atrás delas, uma pá de mãe desesperada; Dentro, sempre tem uma tiazona que tá aos berros. Pra se certificar que o enterro era de um cara de conceito, de um cara da função, é só olhar pra entrada do cemitério. Se tiver menos que dez motos paradas, pode ter certeza que o cara era um maluco que andava pela ordem. Mas se tu ver os caras parados em frente às motos, outros lá dentro com os capacetes com adesivo, pode ter certeza, que hoje vai faltar aviãozinho na favela. Mas se liga, nem é desmerecendo a classe que trampa de moto. Nem é isso. È que quando morre alguém do movimento, que representa demais, num faz sentido estar na pista atrás de um corre. O crime é mais humano do que uma empresa. Uma vez, o Dito que mora na rua de trás não consegui liberação da metalúrgica que trampa em São Caetano, nem pra enterrar a véia dele. Os caras não liberaram e ele foi no enterro mesmo assim, é lógico. Uma semana depois, os caras mandaram ele embora. Ele lançou essa fita pro sindicato deles, e os malucos caíram matando, Os caras adoram essas oportunidades de avacalhar com os grandões. Ia dar até merda na Mídia. A imprensa ia vir babando. Fizeram um acordo com o Dito, que foi readmitido. Uma semana depois, ele ainda foi promovido. Esse é o famoso cala boca.
Por falar em Dito, olha ele lá do lado da mina dele. Uma outra que conseguiu fugir da vadiagem, assim como a Nádia e a Jana.
Procurei as duas, mas até agora nada.
A Nádia disse que ia chegar antes, porque precisava dar uma força pra Jana.
Mesmo rolando esse lance de disputa, elas ainda respeitavam o momento. Acho digno demais isso.
Vou fumar um cigarro lá fora.
Tô tentando parar com essa porra também, mas por enquanto os caras da Souza e da Phillips ainda vão levar o meu.
Porra, quando eu tava de boa, só olhando a merda que é aquele conjunto de valas, eu vejo o Tuds, com aqueles seus amigos que tavam naquele dia no Saldanha, o Japa e o Professor.
- E aí, molecada!
- Fala meu querido. – o Tuds tem mania de chamar os truta dele de queridão e essas paradas mais afáveis, eu acho meio desconfortável, mas nem ligo, porque eu tô ligado que é o jeito dele de expressar uma presa pros caras que ele acha que são do conceito.
- Muito foda essa parada, né?
- Nem me fala, eu tinha mó consideração com esse maluco.A gente estudou junto lá no São Vicente, ce sabe onde é, né? Aquele lá perto do Metrô, do lado da igreja, e pertinho do Carolina. Os caras aqui tudo também gostavam do Luna. Acho que o Japa também chegou a estudar com ele, e o Drupão sempre saía com ele, porque o Lipe, lá do São Vicente também, mantinha contato com o Luna, e várias vezes eles colavam na padaria, tá ligado? – Enquanto o Tuds falava os dois outros malucos colaram. Eles tavam um tanto quanto dispersos, em uma outra conversa sobre algum escritor fodão.
- Fala Robas! – Chegou todo cordial o Professor Drupão.
- Fala Rapá! – O Japa já na cola.
- Fala malandragem. – fui mais contido do que na minha primeira saudação.
Os caras soltaram um sorriso de canto. Às vezes eu me esqueço que nem todo mundo é do movimento e já lanço uma gíria dos caras que estão na pista pra negócio.
- Caralho, depois que passar esse lance do Luna, eu preciso trocar uma idéia com vocês.
- Cara, num dá pra adiantar? – Como sempre o Tuds e sua curiosidade.
- Então, eu tô ligado que vocês tão aqui passando os sentimentos pro Luna e tal, mas eu tô bolando um plano aí, e preciso de uma força tarefa pra botar as idéias em ordem. E por aqui, os únicos malucos que eu tenho contato, mesmo que distante, são vocês. Se for com os outros caras, eu to ligado que até posso contar, mas com eles vai ser pra ficar na frente da batalha. Com vocês é pra ficar na retaguarda, só pensando na fita que vai rolar. Enquanto ficam os peões na frente, a gente prepara o xeque-mate.Aí, deixa esfriar o corpo do Luna. Deixa toda essa merda passar que eu vou lançar toda a parada pra vocês.
- Mano, você me deixou com uma puta curiosidade, sério mesmo. Fala logo, pô. Eu tô ligado que deve ser uma parada mais séria, mas acho que num dá pra segurar essa ansiedade. Acho que nem quando eu to no fim do semestre à espera das férias eu fico com tanta curiosidade assim.
- Calma, faz assim: A gente marca uma sexta, pra tomar umas no shoppinho, pode ser? Aí, hoje é quinta, eu acho que é melhor falar logo mesmo. Amanhã, sem falta e sem tiração eu lanço tudo pra vocês. Pode ser umas oito?Os caras concordaram de boa. Não tinha como dizer não. O segredo da coisa é manter a sensação de suspense, manja? Nunca parei pra contar história, também num tenho dom pra isso. Mais de uns tempos pra cá,quando é pra deixar o maluco querendo saber o que vai acontecer no dia seguinte, eu uso a Tática do truta Ferréz: “Quem é Não Comenta”.

Quebrada – Parte III

Agora acho que está muito evidente. Num tem como esconder uma coisa dessas por tanto tempo; Achei estranho esse sentimento preso assim, sem se manifestar, mas agora com as duas na minha frente, nem tem como. A presença da Jana ta quebrando qualquer tipo de racionalidade, saca? É, pior que acho que quem sacou foi a Nádia. O olhar dela já está fuzilante(é ela ta na razão dela). Caralho, acho que foi o lance do Luna. Talvez o sentimento de desespero, a falta de confiança na vida, que fez com que a gente percebesse que fizemos merda em ter separado nossas vidas. Mas aí, a Nádia num tem culpa de nada. Ela tava na dela, num merecia uma traição assim, não desse jeito, não depois de tudo que a gente passou.
- E aí, vocês vão ficar parados sem fazer porra nenhuma? – a Nádia falou com um certo grau de ironia nos olhos. – Pior que era verdade, Tínhamos que dar um jeito nas coisas.
- Ela ta com a razão. – Jana pegou sua bolsa e saiu em direção a porta. – Eu preciso voltar pra lá. Quanto à você é melhor não aparecer por um tempo, pelo menos enquanto à merda ta quente. – Pior que eu tinha que concordar.
Fiquei pensando no enterro. Deve ser foda ir no enterro de alguém que você sente uma certa admiração. Me lembro do enterro do tio Lauro lá no São Luis. Foi uma parada tensa. A tia Judite bem que tentou segurar a barra, mas aí, quando ela viu a terra batendo no caixote de madeira, a cena foi bem diferente. Quanto mais demonstrava força, ou tentava demonstrar, mais caia em pranto. Chorava copiosamente. Chorava que nem uma condenada, como é mais comum a gente dizer. Mas me diz então: Quem num tá condenado, por aqui?
Quer saber, vou seguir o conselho de todo mundo e vou ficar no sapatinho. Nada de loucura.
Mas num tem como cabular enterro.
Acho que essa seria a coisa mais medíocre que eu poderia fazer. Não sou cabaço assim. E, pior, se eu dou uma dessas, minha imagem iria se queimar pra cacete aqui com todo mundo. Quem tem sangue frio assim, e pensar apenas no seu ego enquanto um truta vai descendo terra abaixo?
Que se foda, essa porra de vida num é aula de matemática. Eu lembro que dava pra ficar de boa no pátio do Magalhães, no Davina também. Colégio do Estado é tudo assim. Os caras fingem que dão infra-estrutura pros professores e pros funcionários, mas no fundo são um bando de idiotas engomados, que pouco se lixam para o que acontece na periferia. Se preocupam apenas se as escolas seguem as recomendações internacionais. Mas pra isso, burlam uma pá de números. Se eles conseguissem transformar aquela escola que eles mostram no horário político, em modelo de escola pública ia ser bom pra caramba. Mas que nada. Os caras são demagogos demais para pensar nisso. São tão ordinários, que só passam por aqui em época de eleição. De dois em dois anos, aparecem uns vermes por aqui na quebrada. Por isso que ta mais do que na hora de começar a dar fim nessas praga. Aí, ta na hora da revolução.
To ligado que deve ter um monte de guerreiro só esperando um vida loka qualquer botar a cara à tapa e levantar uma missão. Acho que essa parada eu consigo, hein? Tem hora que eu quero saber os porquês dessa merda toda. Num é por acaso que estamos aqui do outro lado da vida, às margens do mundo, tipo, marginal mesmo, saca? Acho que ta mais do que na hora de tomar o comando, ou pelo menos dar um susto nesses pipocas pau no cu. Porra, acho que a morte do Luna ta começando a fazer efeitos positivos. Se pá, achei sentido pra minha vida.
Acho que eu só pensava em encher o cu de maconha. Caralho, a vida é bem mais que isso. Se for necessário, sou capaz de deixar minhas duas minas por aqui. Num se deve levar quem a gente mais ama pra uma guerra. E to ligado que essa batalha, vai ser sangue nos olhos. Quem é capaz de enfrentar os filhos da puta que comandam o sistema e sair de boa? Eu num conheço ninguém. Ce ta ligado, enfrentar na bala deve ser foda, num sei nem se dá. Mas tem outros meios. Deve ter! Cara, lembro daquela mão que eu tava no Saldanha tomando uma cerva e de repente começou a colar os caras da 1dasul . Porra, foi foda demais. Tinha uma pá de universitário até. Colou o Ferréz, e teve uma parada lá que ele falou que era um encontro de “literatura marginal”. O Gog, um mano que faz um som firmeza demais mandou bem nos poemas. Aquele Arnaldo Antunes, que cantava naquela banda famosona chegou na maior humildade, falou com todo mundo, representou na poesia e saiu numa boa. Porra, se todo artista fosse assim, acho que o conceito de celebridade ia deixar de existir. O que ia ter de neguinho de revista de fofoca perdendo emprego, ia ser mato.Ah, teve também aquela mina que é vereadora, e que já participou de várias paradas na tv. Acho que ela trabalhava na MTV. Porra, essa mina tava lá de boa falando da merda que é o mundo da política. Ela disse até que devem ser só uns 5% dos caras que foram eleitos,que prestam de verdade. A outra parte, os 95% só estão lá pra foder a gente. Pra mamar na teta mesmo, ta ligado? Eu ouvi a conversa dela com aquele maluquinho que trampa no banco aqui perto de casa, o Tuds. O cara é de boa, mas vacila pra caralho. O mano é formado em uma parada de comunicação, eu acho, um lance de rádio, tv, num lembro direito. Só que vive naquela merda de banco, fazendo o que os caras lá de cima mandam. Mas se liga, ele já me confessou que é louco por essas paradas de mudar o mundo, sabe-se lá como. Aí, eu acho que esse maluco é o cara pra me ajudar nessa parada de revolução, tá ligado?