18 fevereiro 2008

IV

Subir a Fim de Semana nunca é sinônimo de coisa boa. Cara, eu olho pros lados e vejo uma pá de gente boa e trabalhadora, mas quando a gente dá uma olhada mais caprichada, dá pra perceber um ou outro nóia num canto qualquer. O Jardim Ibirapuera nunca me trouxe coisa boa. Sempre que eu subia aquela porra, ou era pra fugir do Hospital do Campo Limpo, ou era em dia de loucura dos infernos, ou assim como hoje, era pra chorar a morte de um irmão.
Logo na entrada do cemitério eu vejo dois coveiros fazendo pouca força pra jogar um qualquer numa vala detestável. Mais um nego sendo enterrado como indigente. Esse, nem na morte vai descansar em paz. Acho que a vida após a morte dele vai ser mais conturbada do que o trânsito do centrinho comercial ali do Capão. Logo quando acaba a Ellis Maas, e já começa a Comendador Santana. Porra, aquilo ali nunca ta tranqüilo. Como diria um truta meu, ali é outra lei. Mas tamo no centro do furacão, acho que nem tinha como ser diferente. Ali a chapa esquenta mesmo.
Será que nem depois de morto o Luna vai descansar?
Tem uma bela função na frente da salinha do velório.
Você sabe quando o enterro é na periferia não é nem pela condição precária do cemitério. Geralmente, dá pra saber que tem um pobre sendo enterrado, quando tem um monte de criança correndo entre as flores e túmulos. Atrás delas, uma pá de mãe desesperada; Dentro, sempre tem uma tiazona que tá aos berros. Pra se certificar que o enterro era de um cara de conceito, de um cara da função, é só olhar pra entrada do cemitério. Se tiver menos que dez motos paradas, pode ter certeza que o cara era um maluco que andava pela ordem. Mas se tu ver os caras parados em frente às motos, outros lá dentro com os capacetes com adesivo, pode ter certeza, que hoje vai faltar aviãozinho na favela. Mas se liga, nem é desmerecendo a classe que trampa de moto. Nem é isso. È que quando morre alguém do movimento, que representa demais, num faz sentido estar na pista atrás de um corre. O crime é mais humano do que uma empresa. Uma vez, o Dito que mora na rua de trás não consegui liberação da metalúrgica que trampa em São Caetano, nem pra enterrar a véia dele. Os caras não liberaram e ele foi no enterro mesmo assim, é lógico. Uma semana depois, os caras mandaram ele embora. Ele lançou essa fita pro sindicato deles, e os malucos caíram matando, Os caras adoram essas oportunidades de avacalhar com os grandões. Ia dar até merda na Mídia. A imprensa ia vir babando. Fizeram um acordo com o Dito, que foi readmitido. Uma semana depois, ele ainda foi promovido. Esse é o famoso cala boca.
Por falar em Dito, olha ele lá do lado da mina dele. Uma outra que conseguiu fugir da vadiagem, assim como a Nádia e a Jana.
Procurei as duas, mas até agora nada.
A Nádia disse que ia chegar antes, porque precisava dar uma força pra Jana.
Mesmo rolando esse lance de disputa, elas ainda respeitavam o momento. Acho digno demais isso.
Vou fumar um cigarro lá fora.
Tô tentando parar com essa porra também, mas por enquanto os caras da Souza e da Phillips ainda vão levar o meu.
Porra, quando eu tava de boa, só olhando a merda que é aquele conjunto de valas, eu vejo o Tuds, com aqueles seus amigos que tavam naquele dia no Saldanha, o Japa e o Professor.
- E aí, molecada!
- Fala meu querido. – o Tuds tem mania de chamar os truta dele de queridão e essas paradas mais afáveis, eu acho meio desconfortável, mas nem ligo, porque eu tô ligado que é o jeito dele de expressar uma presa pros caras que ele acha que são do conceito.
- Muito foda essa parada, né?
- Nem me fala, eu tinha mó consideração com esse maluco.A gente estudou junto lá no São Vicente, ce sabe onde é, né? Aquele lá perto do Metrô, do lado da igreja, e pertinho do Carolina. Os caras aqui tudo também gostavam do Luna. Acho que o Japa também chegou a estudar com ele, e o Drupão sempre saía com ele, porque o Lipe, lá do São Vicente também, mantinha contato com o Luna, e várias vezes eles colavam na padaria, tá ligado? – Enquanto o Tuds falava os dois outros malucos colaram. Eles tavam um tanto quanto dispersos, em uma outra conversa sobre algum escritor fodão.
- Fala Robas! – Chegou todo cordial o Professor Drupão.
- Fala Rapá! – O Japa já na cola.
- Fala malandragem. – fui mais contido do que na minha primeira saudação.
Os caras soltaram um sorriso de canto. Às vezes eu me esqueço que nem todo mundo é do movimento e já lanço uma gíria dos caras que estão na pista pra negócio.
- Caralho, depois que passar esse lance do Luna, eu preciso trocar uma idéia com vocês.
- Cara, num dá pra adiantar? – Como sempre o Tuds e sua curiosidade.
- Então, eu tô ligado que vocês tão aqui passando os sentimentos pro Luna e tal, mas eu tô bolando um plano aí, e preciso de uma força tarefa pra botar as idéias em ordem. E por aqui, os únicos malucos que eu tenho contato, mesmo que distante, são vocês. Se for com os outros caras, eu to ligado que até posso contar, mas com eles vai ser pra ficar na frente da batalha. Com vocês é pra ficar na retaguarda, só pensando na fita que vai rolar. Enquanto ficam os peões na frente, a gente prepara o xeque-mate.Aí, deixa esfriar o corpo do Luna. Deixa toda essa merda passar que eu vou lançar toda a parada pra vocês.
- Mano, você me deixou com uma puta curiosidade, sério mesmo. Fala logo, pô. Eu tô ligado que deve ser uma parada mais séria, mas acho que num dá pra segurar essa ansiedade. Acho que nem quando eu to no fim do semestre à espera das férias eu fico com tanta curiosidade assim.
- Calma, faz assim: A gente marca uma sexta, pra tomar umas no shoppinho, pode ser? Aí, hoje é quinta, eu acho que é melhor falar logo mesmo. Amanhã, sem falta e sem tiração eu lanço tudo pra vocês. Pode ser umas oito?Os caras concordaram de boa. Não tinha como dizer não. O segredo da coisa é manter a sensação de suspense, manja? Nunca parei pra contar história, também num tenho dom pra isso. Mais de uns tempos pra cá,quando é pra deixar o maluco querendo saber o que vai acontecer no dia seguinte, eu uso a Tática do truta Ferréz: “Quem é Não Comenta”.

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