28 maio 2008

Suportável

Toda dor é suportável.

Não conheço pessoa que voltou após morrer de dor.
Também não conheço pessoa que não sentiu dor.
Umas nas articulações;
Outras nos músculos;
Muitas nos ossos;
Mas nenhuma mais severa que a do coração.
Seca e amarga.
Faz o sangue ficar mais escuro;
A respiração mais ofegante;
Os olhos mais lubrificados.
Mas suportável, como todas as outras dores.

Insuportável são os enfermos nos dias em que o coração dói.

O Conforto do Tempo

Se ficar mais tempo pensando,
Não saberei o que estou a pensar.
Já não sei nem mais quem sou;
E não é crise de identidade.
É perda total.

Nem meus números são os mesmos;
Minha labuta, por mais severa,
No mesmo lugar, também não estará.

Se até o final destas palavras
Não encontrar meu conforto,
Confortarei-me no tempo,
Pois este, não pensa em mim.

Adoro quando esquecem que existo.

27 maio 2008

A Senha

Se é a esperança que cai,
Se é o sossego que vai,
Se é a privacidade que se expõe.

Não existem mais segredos.
Todos foram desvendados.
Das melhores, ou das piores formas.

Como um cartão clonado,
Como um golpe.
Não importa o fim.
Maquiavel não é meu amigo.

A senha para a felicidade mudou.
É estranho,
Mas o medo não existe mais.
Apenas uma nova senha.

26 maio 2008

A Festa

Preciso fechar os olhos.
Preciso fazer um pedido.
Não há bolo.
Cancelaram a festa.

Mandaram os palhaços embora.
Não deixaram nenhum trocado.
O manobrista riscou os carros.
Fez ameaças.
Acho que ele está certo.

Não tiveram palavra.
Fechei meus olhos,
Mas não havia festa.
Não há festa em mim.

Poesia - Tudo O Que Sei

Tudo o que sei, aprendi com a poesia.
Não a de outrora, que era apenas utopia.
Aprendi com a poesia cotidiana.
A que não tem cor, a que dói.

Não li versos ensolarados,
Porque não vivi versos ensolarados.
O sol sempre se põe.
E, por mais que chova, ainda tenho esperança em mim.

A poesia é a licenciatura plena.
É a aula que deveria ser dada nas escolas.
É o conceito de moral e bons costumes paterno.

Sem a poesia não haveria sol.
E sem os problemas das minhas poesias,
O sol não brilharia novamente.

Mas vivo a poesia.
Sinto a poesia.
E o sol, sempre nasce pela manhã.

Artigo Definido

- Dê-me algo além de um beijo?
Se ela não sabe desse princípio básico, não sabe de mim.
Eu não sei muitas cousas, mas sei o princípio do amor.


Um beijo, umas carícias, uns abraços...
E o artigo indefinido, se define.

O amor.
A carícia.
O abraço.

Não existe nada além do beijo.
Não existe nada além do amo
r.

Leitura Morta

Se eu não souber mais o que escrever,
Não pense que eu não sei o que quero dizer.
Às vezes, meu silêncio é tão falante.
Tagarela anseio, na mais pura verborragia.
Silenciosa, sim. Mas pura, a mais pura.

Se não souberes ler minhas palavras,
Leia minhas obras como ser.
Se deixei alguma coisa em ti,
Se deixei alguma esperança em mim.
Leia em meu olhar.
Leia ao me olhar.

Se não conseguir enxergar minha essência
Não se preocupe mais comigo.
Não serei mais necessário.
Dê de ombros.
Já serei leitura morta mesmo.

Doença Incurável

Já se foi?
Ínfimo pesar, grandioso orgulho.
Eis a ingratidão.
É o fim, e mesmo assim, é a vida.

Que segue,
Que se apresenta.
Como o sol, como a aurora.

Não há dor mais patética.
A dor do fim é prova do orgulho.
Jamais será base para sustentação.

Mas é a mais sincera.
Se o pesar for maior, já é doença.

Se a doença for incurável, já é amor.

Selvação

E se não fosse um animal?
E se fosse gente como a gente?
Seria tão desprezado assim?
Nem mesmo as sociedades protetoras dão conta.


Bem-vindos à selva.
A nossa de pedra, a deles de perdas.
Nem mesmo o ar.
Nem mesmo o lar.


Não há refúgio,
Não há abrigo,
Não há descanso,
Não há amigo.

Há a carrocinha.
Uma jaula numerada,
Uma morada no zoológico,
Uma venda a um exótico comprador internacional.

Se não fosse um animal,
Poderia ser qualquer um de nós.
Nunca fez diferença mesmo.

Conselho Divino

Vá devagar, mas atropele os instintos que te prendem a mim.
Não se prenda em mim.
Nem mesmo a minha alma consegue me libertar.
Já tentei ‘de tudo’. Já ouvi ‘de tudo’.

Deus até veio me dar uns conselhos,
Mas era tarde, e ele cobrou hora extra.
Não tinha dinheiro para pagar seus honorários;
Ele cancelou a consulta.
Alegou que era tudo golpe de marketing,
Essa história toda de onipresente.

Disse que manda pessoas de confiança em seu nome.
Sim, anjos da primeira guarnição celestial.
Todos altamente capacitados.
Mas nenhum deles compreendeu minhas inquietações.
Inclusive, um está para ser mandado embora.
Estava assinando a papelada no ‘recursos humanos’.

Não se prenda a mim.

Eu só quero me prender na liberdade de ser feliz.

Ponto Final

Após anos de batalha,
Feridas em aberto, sangue nas mãos,
Chegou a hora de estancar.

Ataduras, gases, mercúrio.
Um ponto aqui, outro acolá.
Ponto final.

A cura, que ninguém sabe de onde veio.
A cicatriz, que ninguém sabe quem marcou.
A dor, que ninguém mais sentiu.
A luz, que ilumina o corredor.
A padiola, como no seriado mexicano.
O quarto baixo. A alta.

O ponto de táxi.

O ponto final.

25 maio 2008

Comunicólogo

Cada segundo... Cada mísero segundo.
É tempo que passa... É passatempo da solidão.
Solidão viva. Conversa morta.
Mas quem sobreviveu?
Não deixaram saber. Notas saíram no jornal.
Números imprecisos. Certo?
Somente a poesia pode noticiar.
Furos de reportagens são poéticos.
É a poesia dos fatos.
Jornalistas, não o são. Comunicólogos, talvez.

Prazer, Comunicólogo.

Gente

Gente simples.
Na rua de trás, as crianças ainda brincam.
As mães, a cozer.

O fogo baixo, o rádio amigo,
A preocupação com a violência.
-
Porém, nem o fogo brando é menos preocupante.
O fogo lá fora se apresenta em armas.
Brincadeira de calibres, diversão à prova de balas.

É hora do jantar.

Na tevê, novela policial.
Na sessão especial, filme de luta.
No programa de reportagens, as novas lideranças do tráfico.
No noticiário noturno, o milionário foragido.

Gente simples.
Gente influenciada.

Sabido Jogo

Sabemos que o amor é apenas um jogo, mas não sabemos jogar.
Sabemos que o jogo é feito de resultados, mas não sabemos ganhar.
Sabemos que os resultados saem depois do trabalho, mas não vamos trabalhar.
Sabemos o horário que começa o trabalho, mas acordamos atrasados.
Sabemos que o atraso se resolve com um despertador, não sabemos despertar.
Sabemos que quem desperta cedo tem mais tempo, mas não temos tempo pra isso.
Sabemos que isso é diferente daquilo, não sabemos para que aquilo serve.
Sabemos sequer o que é aquilo, mas é aquilo que buscamos aqui.
Sabemos que aqui está complicado, mas ainda é menos complicado que lá.
Sabemos que lá não existe amor, então é aqui que devemos jogar.

23 maio 2008

A Matriz

Eu sei que por muito menos já seria tempo de não saber de mais nada. Mas continuo, a saber.Um saber desajeitado, desrespeitoso, mas inseguro, sobretudo. Tentei ser mais do que sei, mas não sei se isso é certo. De incertezas a delírios, o caminho se traça, e as traças de um coração fazem troça, pelo simples motivo dele teimar a apanhar. Quando batia, ainda havia razão. Não há mais razão. Somente esboço de raciocínio. Outrora, as informações eram catalogadas e distribuídas conforme o grau de importância. Cada departamento, cada setor, era independente, mas todos eles respondiam a uma central, a uma matriz. À Matriz. Não havia questão sem resposta. Não havia resposta sem satisfação. Os dias nasceram, teimaram, se escureceram. Primeiro a neblina, depois o céu cinzento, a garoa, a chuva constante, os dilúvios, os desabrigados. Talvez seja tempo de não saber de mais nada. A matriz não responde mais.

21 maio 2008

A Cegueira das Cousas

Olha ao redor, mas as coisas não o vêem.
Têm as coisas, mas não tem nada no olhar.
Se fosse fazer uma aposta, perderia.
Se fosse penhorar seus bens, coisa não mais haveria.


Singular como o gesto de quem é coagido;
Pluralista como a solidão que se espalha no peito;
Correto, como o caminho que se perdeu.

Entre folhas e rabiscos, rascunhos e projetos,
Eis a escritura de sua antiga casa.
Tirou-a de uma pasta empoeirada, notava-se o descaso.
A etiqueta, vermelha e branca, hoje é marrom.

Suas cores originais perderam-se, como a validade do documento.
Não tem mais escritura de seu lar.
Não tem mais abrigo.
Apenas o redor.

E, ao redor, as coisas continuam a não vê-lo.
Se nem as cousas o vêem, imagine as pessoas, então?

17 maio 2008

Dois Segundos

Não viverás mais que dois segundos.
Não compreenderás menos que três palavras.
Não dará menos que um passo sem a ternura.

Fingirá fortaleza, sorrateiramente terá lampejos de felicidade,
Mas não estará coberto de conforte.
Ponha a cabeça na janela agora. Ponha amanhã, nada adiantará.
Não verás horizonte. Mesmo fechando os olhos.

Reminiscências confortam, mas não alimentam.
Seja o mais forte possível, e ainda será um fraco.
Seja fraco por não ser franco, e ainda será real.
A abstração é um dom, a fantasia é um som.

Som que nunca tocará em seu dial se não compreender a solidão.
Diferencie a depressão, selecione a reflexão,
Coloque em um sexto, esqueça o terço, se feche no quarto,
Primeiro encontre os meios, e por fim, mande tudo para os quintos.

Se viver mais do que dois segundos,
Compreenda ao menos as tuas palavras.

12 maio 2008

Um Lago Para o Jardim

Não sabe se bastou.
Não sabe se fez a melhor escolha.
Tem apenas um minuto para compartilhar a ansiedade e agonia, com a leveza da perda.
Sente-se leve por se perder.
Descobriu os sentimentos nos momentos errados, mas acertou seu caminho.
Não tinha idéia de onde iria parar, nem sabia o que estava parado em sua vida.
Deu um passo pra trás, talvez; um tiro no pé, quem sabe?
Entre muitas dúvidas, compartilhou o silêncio, e, sem entender nada, lembrou-se do telefone que não atendeu. Ou atenderam? Não sabe. Nunca foi adivinhador, nunca teve esse dom. Sempre foi mais casmurro.
Lembrou-se da última noite, o último beijo, e da certeza de que a harmonia, voltara aos seus olhos. Lágrimas despudoradas simplesmente trilharam o caminho de seu rosto, e enquanto caiam, eram apenas reminiscências de sua ascensão.
Um abraço.
Via apenas um lago.
Um lago para o jardim.
Da água que bebeu, da história que plantou, das lembranças e utopias, tudo existiu. E assim bastou.