25 fevereiro 2008

Tentativas

Copiosamente, sua escrita chora. São lágrimas ácidas, que queimam o papel, mas não fazem esforço algum para saírem de verdade. Esboços patéticos e resignados, que se recolhem na incongruência dos fatos. Como sempre, convergem-se dispersos, e no final de cada página, a história mal contada, perde-se em cada página sem numeração. Os dados não fazem sentido. Os verbos não são harmoniosos; e, o esboço, não passa de uma frustração.Olha na lata de lixo, e vê algumas histórias semelhantes. Recorda de momentos de cada uma delas. Tenta achar falhas no roteiro, para que em uma próxima resenha, tais falhas possam ser alertadas de antemão. Não consegue encontrar a obviedade entre elas, e, mais uma vez, consternado, arranca com força a folha de papel, que mecanicamente aliou-se ao caderno de anotações. A lixeira transborda. As idéias dissipam-se a cada tentativa. Priva-se da honra de escrever sua felicidade. Memórias arruinadas pela ânsia de prosperidade o conduzem a chorar novamente. Copiosamente, sua escrita retorna a chorar. Nem mesmo a fé, que ainda faz com que se apóie em prováveis dádivas, juras ou possibilidades, faz com que sua alma respeite a idéia da concretização de todas as suas crenças mais abstratas. Bajula o sofrimento, como sinal de que, aprendeu, aprendeu com seu rascunho de realização. Muda a página e começa a tentativa de uma nova história com apenas três letras, paz. Eis o primeiro passo. Eis a primeira promessa. Eis a célebre ilusão de quem sonha, e decide transformar esboços utópicos, em dias realistas.

Estações

Não é justo escrever nesse estado.
Nesse Estado, a justiça não existe.
Cega, ela apenas se curva ao verão.
Provavelmente, tentou enxergar algo.

Não. Não brinque de ser tentador.
Sim. Tente e canse. Recomece.
Eu também cansei. Nem assim venci.
Qual o sentido de recomeçar?

Se for pra frente, dou meia volta.
Se for pra trás,dou meia hora pra lembrar.
Se for pra desviar,dou meu apoio.
Se for pra viver, dou de ombros.

Mesmo assim, vivo. É o que resta.
É o que presta. É o que consta.
Viver de sonhos é a realidade
Que apenas na inocência sonhei.

20 fevereiro 2008

VI

Chego em casa com uma larica do cão. A Nádia está no canto esquerdo da cama, em profundo silêncio. To ligado que ela tá acordada e que sabe onde eu tava.Sabe sim o que e fui fazer. Sente o que meu corpo busca nos momentos de extremo prazer ou de extrema dor. E, entre esses ápices, umzinho pra não perder o costume. Pronto. Fez-se um viciado. Eu poderia resumir minha vida em uma frase: “Um ninguém que não busca redenção.Um alguém que se rendeu à maconha”.E é essa porra que me incomoda. Eu queria ser como os manos do escadão da pracinha. Os caras ficam de boa lá na deles, sem dar guela mesmo, que nem naquela música. A comunidade sempre passa em frente dos maluco, mas ninguém comenta nada. Uma hora ou outra,algum Zé Povinho faz algum tipo de denuncia, e os caras dão um sumiço. Mas esses caguetas só fazem isso, porque morrem de inveja. Não é nada contra o consumo de drogas. O que deixa o povo repleto de inveja é o fato de os manos ficarem lá aproveitando um dia de sol, enquanto a maioria da população dali ta trampando pra caralho no centro, ou em qualquer lugar bonado. Isso fere o ego do trabalhador honesto. É uma frustração sem tamanho. Pra quem é mente fechada, isso é pior do que assalto. Pior que o próprio tráfico. Pior que o próprio crime.
Deito sem fazer muito barulho. Pego o lençol e tento esticar até meu queixo. Tá foda. Acho que é melhor tomar uma ducha. To sem sono mesmo. E nem tem nada a ver com o consumo de maconha. Levanto aos passos calados. Entro no chuveiro que de ducha num tem nada. Olho pro meu corpo e começo a reparar a porra de banha que ta crescendo na minha barriga. Caralho, isso aqui já ta parecendo uma pochete. Eu to só com 25 anos. To começando a ficar com corpo de tiozão. Amanhã mesmo vou voltar a fazer abdominais e a puxar os ferros que tão lá atrás da área. Acho que deve ter uma barra enferrujada. Aquela da Academia que fechou mês passado. Se pá os caras mudaram prum lugar melhor; dane-se, peguei o bagulho lá na humilde, o dono disse que podia catar então já era. Faço a barba e ainda lembro dos dias que num tinha um só pêlo na cara. Do primeiro beijo com aquela mina lá do Magalhães, acho que era Jaqueline o nome dela. É, é isso mesmo. Jack. Mina da hora demais. Comecei bem. Mas também, ela pegou a rua inteira. Se num me engano, fui o terceiro. Mas aí, ela confessou pro primo dela, que o melhor beijo foi o meu. Essa parada me deixou feliz, mas nem tive coragem de dizer que era a minha primeira vez. Achava que por ter onze anos já estava velho demais. Também, os caras viviam contando que comeram a Alessandra em três. Nem pensava em gozar ainda. Mas se eu falasse isso, se eu entregasse isso pra eles, talvez os caras estariam me zoando até hoje. Nem é bom dá essas brechas assim. É tipo se os caras descobrem um apelido. Num adianta você negar, ficar puto, sair na mão. Nada disso. Uma vez que percebem o teu ponto fraco, te avacalham até o fim.
A brisa já tá passando. Vou à geladeira e faço um segundo tempo.
Dou mais um tempo jogado no sofá. Uma última olhadela na janela ao longe. Crescimento urbano desordenado; ruas mal iluminadas; bares; bêbados nos bares; becos; viciados nos becos; abandono; eu e a quebrada no abandono.
Penso no Luna. Penso no plano.
Mais nada vem na mente.
Acho que vou falhar amanhã.
Melhor deitar.
Melhor deixar que os sonhos possam reorganizar minhas idéias, enquanto tento descansar e esquecer um pouco toda a merda que aconteceu com o irmão Lunático.
- Aí Robas, que sonho é esse?
- Sei não cara, consegui dormir só agora, nem entendo esses lances de sonho não!
- Pode crer. Que porra é essa de cidadania e revolução?
- Então, tô amadurecendo uma idéia, esses dias aí. Sabe, pra falar a verdade eu sempre tive um lance meio pilhado assim comigo, manja? Mas depois que vi todo mundo chorando lá por você, comecei a ficar irado. To bolando um lance aí com uns malucos aqui do Capão e, se tudo der certo, à partir de amanhã a gente vai montar uma “firma” diferente. Os filhos da puta lá de cima vão tremer, cê tá ligado?
- Só. To ligado sim. Mas aí como você vai fazer essa parada?
- Então, amanhã a gente vai marcar uma ponta no shoppinho. Daí vou lançar tudo. Depois, vamos colocar a porra do plano na prática. Ficar parado nem cola mais.
- To vendo que você ta animado, truta.
- To sim. Eita porra!? Que merda é essa de pipa andando de carrinho de rolemã?
- Ah, eu to voltando pra infância ta ligado? Aqui ó ? Tá vendo meu Qchute?
Usava ele quando passava o programa do Bozo.
- Porra cê desenterrou essas porra, Lunático. Caralho, olha o Bozo colando na rua da feira.
- Ah, mas essa parada é da hora. Vamo cola com ele. Chega pra lá palhaço!
- Alô Criançada!
- Que horas são?
- 5 e 60, é claro.
- Só...
- Aí, pega um suco desses aí, Robas.
- Esse é firmeza. Mas nem vou pegar o de 38. Vô ficar com esse aqui do trem.
- Só. Aí, aproveita a viagem, amigo. Vou pro outro lado. Acho que subo a serra. Cê cuida da Jana?
- Claro, velho. Cê ficou bicado comigo?
- Não rapá, tu fez uma escolha. A Nádia é uma mina bacana, vai de boa. A Jana vai se encontrar.
- Também acho. Ela merece um cara foda.
- Aí, o palhaço já pegou o trem.
- Vai lá, Luna. Aproveita pra descansar.
- Lógico que vou descansar, tio. Mas antes, vou fazer uma hora extra. To por aqui enquanto vocês estiverem nos trilhos da revolução.

19 fevereiro 2008

V

A Nádia chega com os olhos inchados.
Eu peço licença pros caras e firmo a ponta pra amanhã. Ninguém contradiz. E, todo mundo se dispersa. Agora, perto do corpo já está a Jana. Tem uns malucos meio alterados no corredor. Se pá tá rolando um estresse. O Tuds cola do lado também. No bolinho estão o Dito, o Bira e JP.
- Se liga, os caras tão dizendo que foi uma parada mais séria a fita do Luna, tio(os manos, de um tempo pra cá, começaram com a mania de chamar os irmãos da rua de “tio”, e essa foi uma das gírias que colou de boa da ponte pra cá).
- Lança aí o esquema, Bira.
- Então, vou desenrolar essa pra vocês. Pelo que deu pra entender tinha cara grande envolvido com tudo isso. Vocês sabem que o Luna sempre teve colê com os coxinhas, tá ligado? Tanto o cara tava de conversinha com os homi, que eles já pegavam a grana diretamente com ele. Os caras do movimento sabiam de tudo, mas deixavam o Luna livre pra fazer as paradas dele. Só que a merda se deu quando ele começou a mudar tudo que tava vendendo. Ele se juntou com alguns pirralhos de idéia errada. E logo esses maluquinhos começaram a sair junto com a playboyzada também. Começaram a levar o Luna pra outras fitas fora daqui. E nessas andanças, ele conheceu um filho de deputado, manja? Os dois começaram a sair direto. Cêis num lembram que ele vivia saindo daqui com aquele maluco do Audi? Então, era ele mesmo. Começaram a fazer várias fitas juntos; Mas o Luna se deu mal. Lembra aquela vez que ele ficou uns tempos fora e que a Jana espalhou que ele tava viajando. Nada. O cara foi pego com uma pá de droga. E, pra fuder mais ainda, ele tava com o vacilão do filho do deputado. Mas nessa hora, quando o Luna deveria assumir a bronca e deixar que os caras resolvessem tudo. Ele logo lançou que era o playba que tava com a sujeira. Mano, foi idiotice demais.Lógico que num deu nada pro ricaço, mas o Luna ficou na merda. Sozinho e jurado. Ele até que fez bem em ficar algumas semanas fora. Mas quando voltou pra casa, ele logo me contou essa fita aí. Ele ia te contar, Robas, mas ele tinha medo de você não entender essas porras, e cê tá ligado, depois que você terminou com a Jana, o cara ficou puto contigo, vocês até se falam, mas a relação nunca mais foi igual à de antes, cê sabe disso.
Nessa hora, eu sabia que o Bira estava com a razão, até me arrependo por não ter feito nada pelo Luna, mas já era tarde demais. A terra caia sobre a vala, e enfim, o corpo começará a esfriar.
- Mas então essa porra foi mandada pelos caras lá do playboy? – Com certa inocência, o Dito realmente ainda tinha algum tipo de dúvida em relação ao que estava claro para todo aquele bolinho.
- Lógico né, Jão! Só sendo vacilão demais pra não ficar puto com os caras. Tenho certeza, que foi fita dada. Apagaram o Luna na pioiagem. – O olhar do João Paulo era uma mescla de ira e lamentação, que se intensificava ao ver ao longe os últimos momentos de lágrimas, enquanto as flores cobriam a terra, e enfim deixaríamos o Luna em paz.
Todo mundo ligando as motos. Tenho uma pequena conversa com a Jana, dou um abraço apertado, ela se despede, efusiva ainda consegue olhar bem nos meus olhos. Eu tenho que disfarçar. Preciso disfarçar. Nem é hora de misturar as coisas. Saio junto com a Nádia. Na frente ainda estão os manos de bolinho. O Japa se certifica do encontro de amanhã.
Eu firmo a ponta.
Mesmo não estando no melhor dos estados, não posso baixar a guarda agora.
Ainda mais agora, que descobri que os malucos lá de cima tiveram ligação direta na morte do meu parceiro. Chegou o momento de usar toda essa ira em pró duma parada que vai pra frente, ta ligado?
A Nádia percebe que estou um pouco aéreo. O busão Capão Redondo passa lotado, deu nem pra dar sinal. Acho que é melhor esperar uma perua mesmo. Se pá aquela do três estrelas passa rapidinho. Dito e feito. Porra, e pra minha sorte quem tava pilotando era o Cebola, o pai do Dudu e do Tonzinho, uns malucos que moravam lá nos predinhos do Tuds. Eu lembro deles, porque a gente jogava sempre uns contra no campinho do Maracá.
Hora de descer. Pracinha do Clarice.
Deixo a Nádia em casa, bebo um gole d’água e dou um beijo no canto da boca da minha mina. Preciso espairecer.
Uma, duas, três ruas. Aqui estou de novo.
Minha quebrada, minha vida, minha recaída.
O mato queima, enquanto não penso em mais nada.
Algumas lágrimas caem, mas ainda consigo ter um sentimento novo. Dou risada da molecada inocente soltando pipa no campinho dos predinhos do Clarice. Pela primeira vez finjo que todos aqueles meninos, todas aquelas crianças, não terminarão como o Luna.
Na rua, ouço um carro que passa com o som no último.
Era Racionais.

“Sempre quis um lugar,
Gramado e limpo, assim verde como o mar,
Cercas brancas, uma seringueira com balança,
Disbicando pipa cercado de criança...

How...how Brown

Acorda sangue bom,
Aqui é Capão Redondo, tru.
Não pokemon,
Zona sul é invés, é stress concentrado,
Um coração ferido, por metro quadrado...”

O Brown tem razão. Melhor voltar pra guerra.

18 fevereiro 2008

IV

Subir a Fim de Semana nunca é sinônimo de coisa boa. Cara, eu olho pros lados e vejo uma pá de gente boa e trabalhadora, mas quando a gente dá uma olhada mais caprichada, dá pra perceber um ou outro nóia num canto qualquer. O Jardim Ibirapuera nunca me trouxe coisa boa. Sempre que eu subia aquela porra, ou era pra fugir do Hospital do Campo Limpo, ou era em dia de loucura dos infernos, ou assim como hoje, era pra chorar a morte de um irmão.
Logo na entrada do cemitério eu vejo dois coveiros fazendo pouca força pra jogar um qualquer numa vala detestável. Mais um nego sendo enterrado como indigente. Esse, nem na morte vai descansar em paz. Acho que a vida após a morte dele vai ser mais conturbada do que o trânsito do centrinho comercial ali do Capão. Logo quando acaba a Ellis Maas, e já começa a Comendador Santana. Porra, aquilo ali nunca ta tranqüilo. Como diria um truta meu, ali é outra lei. Mas tamo no centro do furacão, acho que nem tinha como ser diferente. Ali a chapa esquenta mesmo.
Será que nem depois de morto o Luna vai descansar?
Tem uma bela função na frente da salinha do velório.
Você sabe quando o enterro é na periferia não é nem pela condição precária do cemitério. Geralmente, dá pra saber que tem um pobre sendo enterrado, quando tem um monte de criança correndo entre as flores e túmulos. Atrás delas, uma pá de mãe desesperada; Dentro, sempre tem uma tiazona que tá aos berros. Pra se certificar que o enterro era de um cara de conceito, de um cara da função, é só olhar pra entrada do cemitério. Se tiver menos que dez motos paradas, pode ter certeza que o cara era um maluco que andava pela ordem. Mas se tu ver os caras parados em frente às motos, outros lá dentro com os capacetes com adesivo, pode ter certeza, que hoje vai faltar aviãozinho na favela. Mas se liga, nem é desmerecendo a classe que trampa de moto. Nem é isso. È que quando morre alguém do movimento, que representa demais, num faz sentido estar na pista atrás de um corre. O crime é mais humano do que uma empresa. Uma vez, o Dito que mora na rua de trás não consegui liberação da metalúrgica que trampa em São Caetano, nem pra enterrar a véia dele. Os caras não liberaram e ele foi no enterro mesmo assim, é lógico. Uma semana depois, os caras mandaram ele embora. Ele lançou essa fita pro sindicato deles, e os malucos caíram matando, Os caras adoram essas oportunidades de avacalhar com os grandões. Ia dar até merda na Mídia. A imprensa ia vir babando. Fizeram um acordo com o Dito, que foi readmitido. Uma semana depois, ele ainda foi promovido. Esse é o famoso cala boca.
Por falar em Dito, olha ele lá do lado da mina dele. Uma outra que conseguiu fugir da vadiagem, assim como a Nádia e a Jana.
Procurei as duas, mas até agora nada.
A Nádia disse que ia chegar antes, porque precisava dar uma força pra Jana.
Mesmo rolando esse lance de disputa, elas ainda respeitavam o momento. Acho digno demais isso.
Vou fumar um cigarro lá fora.
Tô tentando parar com essa porra também, mas por enquanto os caras da Souza e da Phillips ainda vão levar o meu.
Porra, quando eu tava de boa, só olhando a merda que é aquele conjunto de valas, eu vejo o Tuds, com aqueles seus amigos que tavam naquele dia no Saldanha, o Japa e o Professor.
- E aí, molecada!
- Fala meu querido. – o Tuds tem mania de chamar os truta dele de queridão e essas paradas mais afáveis, eu acho meio desconfortável, mas nem ligo, porque eu tô ligado que é o jeito dele de expressar uma presa pros caras que ele acha que são do conceito.
- Muito foda essa parada, né?
- Nem me fala, eu tinha mó consideração com esse maluco.A gente estudou junto lá no São Vicente, ce sabe onde é, né? Aquele lá perto do Metrô, do lado da igreja, e pertinho do Carolina. Os caras aqui tudo também gostavam do Luna. Acho que o Japa também chegou a estudar com ele, e o Drupão sempre saía com ele, porque o Lipe, lá do São Vicente também, mantinha contato com o Luna, e várias vezes eles colavam na padaria, tá ligado? – Enquanto o Tuds falava os dois outros malucos colaram. Eles tavam um tanto quanto dispersos, em uma outra conversa sobre algum escritor fodão.
- Fala Robas! – Chegou todo cordial o Professor Drupão.
- Fala Rapá! – O Japa já na cola.
- Fala malandragem. – fui mais contido do que na minha primeira saudação.
Os caras soltaram um sorriso de canto. Às vezes eu me esqueço que nem todo mundo é do movimento e já lanço uma gíria dos caras que estão na pista pra negócio.
- Caralho, depois que passar esse lance do Luna, eu preciso trocar uma idéia com vocês.
- Cara, num dá pra adiantar? – Como sempre o Tuds e sua curiosidade.
- Então, eu tô ligado que vocês tão aqui passando os sentimentos pro Luna e tal, mas eu tô bolando um plano aí, e preciso de uma força tarefa pra botar as idéias em ordem. E por aqui, os únicos malucos que eu tenho contato, mesmo que distante, são vocês. Se for com os outros caras, eu to ligado que até posso contar, mas com eles vai ser pra ficar na frente da batalha. Com vocês é pra ficar na retaguarda, só pensando na fita que vai rolar. Enquanto ficam os peões na frente, a gente prepara o xeque-mate.Aí, deixa esfriar o corpo do Luna. Deixa toda essa merda passar que eu vou lançar toda a parada pra vocês.
- Mano, você me deixou com uma puta curiosidade, sério mesmo. Fala logo, pô. Eu tô ligado que deve ser uma parada mais séria, mas acho que num dá pra segurar essa ansiedade. Acho que nem quando eu to no fim do semestre à espera das férias eu fico com tanta curiosidade assim.
- Calma, faz assim: A gente marca uma sexta, pra tomar umas no shoppinho, pode ser? Aí, hoje é quinta, eu acho que é melhor falar logo mesmo. Amanhã, sem falta e sem tiração eu lanço tudo pra vocês. Pode ser umas oito?Os caras concordaram de boa. Não tinha como dizer não. O segredo da coisa é manter a sensação de suspense, manja? Nunca parei pra contar história, também num tenho dom pra isso. Mais de uns tempos pra cá,quando é pra deixar o maluco querendo saber o que vai acontecer no dia seguinte, eu uso a Tática do truta Ferréz: “Quem é Não Comenta”.

Quebrada – Parte III

Agora acho que está muito evidente. Num tem como esconder uma coisa dessas por tanto tempo; Achei estranho esse sentimento preso assim, sem se manifestar, mas agora com as duas na minha frente, nem tem como. A presença da Jana ta quebrando qualquer tipo de racionalidade, saca? É, pior que acho que quem sacou foi a Nádia. O olhar dela já está fuzilante(é ela ta na razão dela). Caralho, acho que foi o lance do Luna. Talvez o sentimento de desespero, a falta de confiança na vida, que fez com que a gente percebesse que fizemos merda em ter separado nossas vidas. Mas aí, a Nádia num tem culpa de nada. Ela tava na dela, num merecia uma traição assim, não desse jeito, não depois de tudo que a gente passou.
- E aí, vocês vão ficar parados sem fazer porra nenhuma? – a Nádia falou com um certo grau de ironia nos olhos. – Pior que era verdade, Tínhamos que dar um jeito nas coisas.
- Ela ta com a razão. – Jana pegou sua bolsa e saiu em direção a porta. – Eu preciso voltar pra lá. Quanto à você é melhor não aparecer por um tempo, pelo menos enquanto à merda ta quente. – Pior que eu tinha que concordar.
Fiquei pensando no enterro. Deve ser foda ir no enterro de alguém que você sente uma certa admiração. Me lembro do enterro do tio Lauro lá no São Luis. Foi uma parada tensa. A tia Judite bem que tentou segurar a barra, mas aí, quando ela viu a terra batendo no caixote de madeira, a cena foi bem diferente. Quanto mais demonstrava força, ou tentava demonstrar, mais caia em pranto. Chorava copiosamente. Chorava que nem uma condenada, como é mais comum a gente dizer. Mas me diz então: Quem num tá condenado, por aqui?
Quer saber, vou seguir o conselho de todo mundo e vou ficar no sapatinho. Nada de loucura.
Mas num tem como cabular enterro.
Acho que essa seria a coisa mais medíocre que eu poderia fazer. Não sou cabaço assim. E, pior, se eu dou uma dessas, minha imagem iria se queimar pra cacete aqui com todo mundo. Quem tem sangue frio assim, e pensar apenas no seu ego enquanto um truta vai descendo terra abaixo?
Que se foda, essa porra de vida num é aula de matemática. Eu lembro que dava pra ficar de boa no pátio do Magalhães, no Davina também. Colégio do Estado é tudo assim. Os caras fingem que dão infra-estrutura pros professores e pros funcionários, mas no fundo são um bando de idiotas engomados, que pouco se lixam para o que acontece na periferia. Se preocupam apenas se as escolas seguem as recomendações internacionais. Mas pra isso, burlam uma pá de números. Se eles conseguissem transformar aquela escola que eles mostram no horário político, em modelo de escola pública ia ser bom pra caramba. Mas que nada. Os caras são demagogos demais para pensar nisso. São tão ordinários, que só passam por aqui em época de eleição. De dois em dois anos, aparecem uns vermes por aqui na quebrada. Por isso que ta mais do que na hora de começar a dar fim nessas praga. Aí, ta na hora da revolução.
To ligado que deve ter um monte de guerreiro só esperando um vida loka qualquer botar a cara à tapa e levantar uma missão. Acho que essa parada eu consigo, hein? Tem hora que eu quero saber os porquês dessa merda toda. Num é por acaso que estamos aqui do outro lado da vida, às margens do mundo, tipo, marginal mesmo, saca? Acho que ta mais do que na hora de tomar o comando, ou pelo menos dar um susto nesses pipocas pau no cu. Porra, acho que a morte do Luna ta começando a fazer efeitos positivos. Se pá, achei sentido pra minha vida.
Acho que eu só pensava em encher o cu de maconha. Caralho, a vida é bem mais que isso. Se for necessário, sou capaz de deixar minhas duas minas por aqui. Num se deve levar quem a gente mais ama pra uma guerra. E to ligado que essa batalha, vai ser sangue nos olhos. Quem é capaz de enfrentar os filhos da puta que comandam o sistema e sair de boa? Eu num conheço ninguém. Ce ta ligado, enfrentar na bala deve ser foda, num sei nem se dá. Mas tem outros meios. Deve ter! Cara, lembro daquela mão que eu tava no Saldanha tomando uma cerva e de repente começou a colar os caras da 1dasul . Porra, foi foda demais. Tinha uma pá de universitário até. Colou o Ferréz, e teve uma parada lá que ele falou que era um encontro de “literatura marginal”. O Gog, um mano que faz um som firmeza demais mandou bem nos poemas. Aquele Arnaldo Antunes, que cantava naquela banda famosona chegou na maior humildade, falou com todo mundo, representou na poesia e saiu numa boa. Porra, se todo artista fosse assim, acho que o conceito de celebridade ia deixar de existir. O que ia ter de neguinho de revista de fofoca perdendo emprego, ia ser mato.Ah, teve também aquela mina que é vereadora, e que já participou de várias paradas na tv. Acho que ela trabalhava na MTV. Porra, essa mina tava lá de boa falando da merda que é o mundo da política. Ela disse até que devem ser só uns 5% dos caras que foram eleitos,que prestam de verdade. A outra parte, os 95% só estão lá pra foder a gente. Pra mamar na teta mesmo, ta ligado? Eu ouvi a conversa dela com aquele maluquinho que trampa no banco aqui perto de casa, o Tuds. O cara é de boa, mas vacila pra caralho. O mano é formado em uma parada de comunicação, eu acho, um lance de rádio, tv, num lembro direito. Só que vive naquela merda de banco, fazendo o que os caras lá de cima mandam. Mas se liga, ele já me confessou que é louco por essas paradas de mudar o mundo, sabe-se lá como. Aí, eu acho que esse maluco é o cara pra me ajudar nessa parada de revolução, tá ligado?

17 fevereiro 2008

Contrato de Gaveta

Deplorável caminho sem volta.
Durante o percurso, tentei avisa-lo, mas os riscos iminentes de uma derrota o impulsionavam. Nada dá mais ânimo a um tolo que a possibilidade de perder novamente. O idiota, guarda consigo a responsabilidade da vitória. Mas o idiota completo, o boçal o imbecil, se realiza com uma simples derrota.Ao surgirem as primeiras lamentações, simultaneamente apresenta-se o apogeu de sua mediocridade.
Talvez seu caminho não tenha volta, pois desde o princípio trata-se de uma volta sem princípio. Nada pode ser acrescentado, a não ser os momentos negativos de sua inexistência.
Contudo, ele faz de tudo para provar que existe.
Quanta ignorância...
Jamais existirá se não deixar todos os seus preceitos descartáveis na gaveta do juízo. Aquela que fica em seu armário, na parte inferior, geralmente a última, uma abaixo da lucidez.
Se conseguir o certificado de que suas balelas estão presas e trancafiadas com a maior segurança, poderá utilizar uma gaveta a mais, pois organizará melhor o móvel que tanto o deixou imóvel.
Seguirá os conselhos do criado-mudo e só assim descobrirá o significado de cada elemento decorativo de seu lar.Colocará a mobília em seu devido lugar, e, enfim, poderá bagunçar seu destino e não correrá atrás de um caminhão de mudança, pois nem todo equívoco do mundo, será capaz de iludir a felicidade que habitará seu coração transeunte.
Por enquanto, apenas guarda a moral na gaveta das cuecas.

13 fevereiro 2008

Membros de Mim

Não aceita mais desculpas.
Não rasteja mais sem culpa.
Não facilita a concordância.
Não concorda com facilidade.

A mente, precisa de leveza.
O corpo, precisa de paz.
A alma, não precisa de nada,
Já vive sobrecarregada.

Ninguém pode ajudá-lo.
Ninguém pode contê-lo.
Ninguém pode entendê-lo
E, ninguém já é muita gente.

Se lhe disserem pra ter mais fé,
Fará da doutrina o seu fim.
Não o meio, apenas o fim.

Sem princípio, o meio se complica.
Como sua cabeça, seu tronco,
E os membros de sua indecisão.

12 fevereiro 2008

Quebrada - Parte 2

To pensando em dar o fora, mas acho que se eu fizer isso vai dar muita guela.Caralho, acho que vou colar na pista de boa; Se pá vou ficar de golinho por aqui mesmo, nunca se sabe. O foda é que se eu sumir os caras vão correr atrás de mim. Conheço essa raça. E tem aquela grana que eu tenho que levantar também. Eu sei que o Matraca é firmeza pra cacete, mas aí, num pode vacilar. O cara é capaz de me apagar também. Merda, onde vou levantar trezentos conto!?
- Robas, Robas? – A Janaina tava com os olhos desesperados.
- Que foi mina? – tentei desviar a atenção, sem deixar claro que já sabia do que tava pegando.
- O IML ta aí, os homi também. Tão interrogando todo mundo. Os caras vão chegar aqui daqui a pouco.
Ao ouvir a voz da Janaína, a Nadia deu um pulo da cozinha pra sala. Passou pela cortina que divide os cômodos, que quase despregou tudo, derrubando aquele pano velho. Até hoje a Nádia ainda tem ciúme da minha primeira namorada.Ela olhou de forma seca e sem vida. O desdém é bem clichê na relação das duas.
Janaína fez um cumprimento cordial. Nada mais que isso.
Nadia assentiu com a cabeça, apenas por educação.
- Cara, você num vai fugir?
- Nem fodendo.
- Mas se os caras colarem por aqui, vão levantar a tua capivara e você vai se fuder grande. Tenho medo de você dançar também.
Ao ouvir essas palavras eu percebi que ela ainda balançava. Isso que é foda, porque a parada é recíproca pra caralho. Sempre gostei dessa mina, mas hoje vivo com a Nádia e ela representa demais. Além do mais, preciso deixar a parada tranqüila, vai que a Nádia percebe que eu ainda fico meio assim com a Jana; Pô, se acontece uma fita dessas aqui, a casa cai lindo. To ligado que a Nádia é boazinha e tal, mas se eu mexer com ela desse jeito a chapa vai esquentar, acho que ela é capaz de cortar meu pau quando eu tiver dormindo. Sabe depois daquela bombada bem foda, que você só pensa em dormir com a mina abraçada do teu lado, achando que deu a melhor trepada da tua vida? Então. Ela é capaz de me fazer acreditar que está tudo bem; se pá deixa até fumar um cigarro, andar de cueca pela casa, pegar uma água na geladeira, voltar pra cama e cair no sono. Aí, o chicote estrala. Ela vem, abre o criado-mudo e saca uma faca ainda meio enferrujada. Só pra doer mais. Só pra me foder de verdade. Dái, só alegria pra ela. Capaz de dar risada enquanto vê o sangue jorrando.
Porra, essa parada de sangue jorrando me lembrou um filme que eu vi esses dias, acho que foi na casa da Jana mesmo, deveria ser da coleção pirata do Luna. Ele era cliente incondicional da barraca do Gordo. No três por dez, num tinha pra ninguém. Ele era o freguês que fazia a vida do Gordo.
Mas então era o filme de uma loirona, gostosa do caralho. Ela saia matando geral, e sempre tinha aquela parada de sangue jorrando. Porra, tem uma hora que ela entra numa parada cheia de japa e sai matando uma pá de cara de olho puxado. Tem até uma banda de umas minas que cantam uma música bizarra, mas aí a carnificina é louca demais. Parece que a mina manja como funciona as coisas na periferia. Mas aí, tem que substituir a espada de samurai pelo cano. Porque aqui, a parada às vezes é resolvida no debate. Por outras, na mão mesmo; mas quando o diálogo dá um role e nem Deus dá jeito, é hora da bala comer.
A Jana ta confusa.
Num sabe se chora pela perda do irmão, ou se chora pelo fato de poder perder o único cara que ainda faz sentido pra vida dela.
Seu João e Dona Nice morreram cedo demais, e os dois foram criados pela vó. Mas aí, a Dona Tereza era uma velha inocente demais pra perceber o que acontecia com seus netos.
Enquanto o Luna entrava pro mundo do veneno, a Janaina tentava sobreviver trampando como louca nos faróis e shoppings, sempre se prostrando à playboyzada. É o sistema.
Um dia ela ficou puta, quando ouviu numa mesa de um engomadinho: “Ah, mas a gente faz intercâmbio. Enquanto mandamos gente nossa pra Costa do Sauípe, pra Fernando de Noronha, eles mandam a baianada que fogem dos pau de arara direto pro Tietê”.
Depois que um filho da puta desses perde relógio, tênnis e a banca, falam que o problema ta na periferia. Esses merecem a lei da rua.
A Jana tinha uma vida foda pra cacete, porque tinha que cuidar da dona Tereza, a Vó Terezinha, como eles gostavam de chamar.
E, cara, chovia vagabunda na casa dela. A maioria atrás do Luna, que era um cara muito presa. Sempre teve o dom com as mulheres. As minas sempre eram indiferentes com grande parte da molecada da quebrada, mas quando o assunto era o Luna, elas sempre tinham história pra contar. O maluco passou o rodo, as que deixava de lado, a gente tinha que agarrar no dente. Ainda bem que eu sempre fui mais sussa, e as duas únicas minas que eu gostei de verdade foram a Jana e a Nádia.
E todas as vagabundas tentavam influenciar a Jana.
Mas a mina escapava.
Tantas e tantas vezes escapou dos roles que as minas marcavam. E foi numa fuga dessas que ela me chamou pra casa dela. Assistir uma fita do Stallone, antigona pra cacete.
E enquanto o Falcão virava o boné em busca da redenção com o filho eu encontrava o amor pela primeira vez.
Jana, minha eterna indecisão.