19 fevereiro 2008

V

A Nádia chega com os olhos inchados.
Eu peço licença pros caras e firmo a ponta pra amanhã. Ninguém contradiz. E, todo mundo se dispersa. Agora, perto do corpo já está a Jana. Tem uns malucos meio alterados no corredor. Se pá tá rolando um estresse. O Tuds cola do lado também. No bolinho estão o Dito, o Bira e JP.
- Se liga, os caras tão dizendo que foi uma parada mais séria a fita do Luna, tio(os manos, de um tempo pra cá, começaram com a mania de chamar os irmãos da rua de “tio”, e essa foi uma das gírias que colou de boa da ponte pra cá).
- Lança aí o esquema, Bira.
- Então, vou desenrolar essa pra vocês. Pelo que deu pra entender tinha cara grande envolvido com tudo isso. Vocês sabem que o Luna sempre teve colê com os coxinhas, tá ligado? Tanto o cara tava de conversinha com os homi, que eles já pegavam a grana diretamente com ele. Os caras do movimento sabiam de tudo, mas deixavam o Luna livre pra fazer as paradas dele. Só que a merda se deu quando ele começou a mudar tudo que tava vendendo. Ele se juntou com alguns pirralhos de idéia errada. E logo esses maluquinhos começaram a sair junto com a playboyzada também. Começaram a levar o Luna pra outras fitas fora daqui. E nessas andanças, ele conheceu um filho de deputado, manja? Os dois começaram a sair direto. Cêis num lembram que ele vivia saindo daqui com aquele maluco do Audi? Então, era ele mesmo. Começaram a fazer várias fitas juntos; Mas o Luna se deu mal. Lembra aquela vez que ele ficou uns tempos fora e que a Jana espalhou que ele tava viajando. Nada. O cara foi pego com uma pá de droga. E, pra fuder mais ainda, ele tava com o vacilão do filho do deputado. Mas nessa hora, quando o Luna deveria assumir a bronca e deixar que os caras resolvessem tudo. Ele logo lançou que era o playba que tava com a sujeira. Mano, foi idiotice demais.Lógico que num deu nada pro ricaço, mas o Luna ficou na merda. Sozinho e jurado. Ele até que fez bem em ficar algumas semanas fora. Mas quando voltou pra casa, ele logo me contou essa fita aí. Ele ia te contar, Robas, mas ele tinha medo de você não entender essas porras, e cê tá ligado, depois que você terminou com a Jana, o cara ficou puto contigo, vocês até se falam, mas a relação nunca mais foi igual à de antes, cê sabe disso.
Nessa hora, eu sabia que o Bira estava com a razão, até me arrependo por não ter feito nada pelo Luna, mas já era tarde demais. A terra caia sobre a vala, e enfim, o corpo começará a esfriar.
- Mas então essa porra foi mandada pelos caras lá do playboy? – Com certa inocência, o Dito realmente ainda tinha algum tipo de dúvida em relação ao que estava claro para todo aquele bolinho.
- Lógico né, Jão! Só sendo vacilão demais pra não ficar puto com os caras. Tenho certeza, que foi fita dada. Apagaram o Luna na pioiagem. – O olhar do João Paulo era uma mescla de ira e lamentação, que se intensificava ao ver ao longe os últimos momentos de lágrimas, enquanto as flores cobriam a terra, e enfim deixaríamos o Luna em paz.
Todo mundo ligando as motos. Tenho uma pequena conversa com a Jana, dou um abraço apertado, ela se despede, efusiva ainda consegue olhar bem nos meus olhos. Eu tenho que disfarçar. Preciso disfarçar. Nem é hora de misturar as coisas. Saio junto com a Nádia. Na frente ainda estão os manos de bolinho. O Japa se certifica do encontro de amanhã.
Eu firmo a ponta.
Mesmo não estando no melhor dos estados, não posso baixar a guarda agora.
Ainda mais agora, que descobri que os malucos lá de cima tiveram ligação direta na morte do meu parceiro. Chegou o momento de usar toda essa ira em pró duma parada que vai pra frente, ta ligado?
A Nádia percebe que estou um pouco aéreo. O busão Capão Redondo passa lotado, deu nem pra dar sinal. Acho que é melhor esperar uma perua mesmo. Se pá aquela do três estrelas passa rapidinho. Dito e feito. Porra, e pra minha sorte quem tava pilotando era o Cebola, o pai do Dudu e do Tonzinho, uns malucos que moravam lá nos predinhos do Tuds. Eu lembro deles, porque a gente jogava sempre uns contra no campinho do Maracá.
Hora de descer. Pracinha do Clarice.
Deixo a Nádia em casa, bebo um gole d’água e dou um beijo no canto da boca da minha mina. Preciso espairecer.
Uma, duas, três ruas. Aqui estou de novo.
Minha quebrada, minha vida, minha recaída.
O mato queima, enquanto não penso em mais nada.
Algumas lágrimas caem, mas ainda consigo ter um sentimento novo. Dou risada da molecada inocente soltando pipa no campinho dos predinhos do Clarice. Pela primeira vez finjo que todos aqueles meninos, todas aquelas crianças, não terminarão como o Luna.
Na rua, ouço um carro que passa com o som no último.
Era Racionais.

“Sempre quis um lugar,
Gramado e limpo, assim verde como o mar,
Cercas brancas, uma seringueira com balança,
Disbicando pipa cercado de criança...

How...how Brown

Acorda sangue bom,
Aqui é Capão Redondo, tru.
Não pokemon,
Zona sul é invés, é stress concentrado,
Um coração ferido, por metro quadrado...”

O Brown tem razão. Melhor voltar pra guerra.

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