26 dezembro 2007

Em Canto de Ontem

Relembra e se esquece.
Revive e apenas padece.
Cantou ontem,
Hoje não recorda a letra.

Escreveu no papel de pão.
Passou a limpo na folha de caderno.
Sujou os dedos com a tinta da caneta.
Mas, mesmo assim, ainda digitou.

Os olhos na tela.
As mãos no teclado.
O sorriso calado.
E a certeza que se renovou.

Não importa o que passa.
Não importa o que faça.
Se canta, se encanta ou se esquece.
Se finge, se faz, ou se cresce.

Não recorda.
Acorda.
Muda o olhar.

Não busca.
Assusta.
Aprende a sonhar.

24 dezembro 2007

A Civilização Sem Serventia

Imagine uma civilização sem porteiros, garçons, taxistas, pedreiros, serventes, babás, cozinheiras, domésticas...
Imagine que todas essas pessoas deixaram seus respectivos empregos e ingressaram em faculdades, pois ávidas por leitura e conhecimento, passaram em testes cada vez mais concorridos nos vestibulares das universidades públicas mais conceituadas do país.
A Fuvest nunca teve um número tão grande de aprovados com a mesma origem: Favelados.
Sim, a maior parte destes alunos que foram habilitados vem das extremidades da cidade de São Paulo, mais especificamente do bairro do Capão Redondo.
Tudo começou com algumas movimentações de alguns moradores, que, indignados, começaram a botar a cara à tapa (mais do que já apanhavam no dia-a-dia) e mostraram que naquele bairro existe força, existe subversão.
Desculpe, me enganei.
Não é naquele bairro... É neste bairro, o meu bairro.
Que porra é essa de Vida Loka?
Que facção é essa?
E esse lance de 1daSul?
Pobre agora pode ter sua marca e sentir orgulho da quebrada que mora?
Quem é esse maldito Ferréz?
Será que o cara ficou louco e quer juntar um exército contra a elite branca?
Se pá ele quer, hein!?
Esses dias, ao voltar da loja mais freqüentada do bairro, a 1daSul, tive uma visão meio que fantasiosa.
Fiquei a imaginar o potencial de todos aqueles que já usam algum tipo de modelo da grife, que compartilham as idéias e ideais do mano Ferréz e dos outros vários manos do Hip-Hop.
Imagine se todos esses caras começarem a participar dos saraus de “Literatura Marginal” organizados pelo escritor, que já tiveram participações de pessoas consagradas “da ponte pra lá”, como o músico e poeta Arnaldo Antunes, e a apresentadora, jornalista e vereadora Soninha Francine, que no ano de 2008 se candidatará a prefeita da maior cidade da América do Sul.
Agora pense na maior periferia desta cidade agindo como aqueles que estão do outro lado da cidade. Usando as bases legais, o conhecimento, a união de seus moradores para pressionar e questionar as forças do Estado. Deixando atordoado todo e qualquer ser que tentar manipular ou burlar os interesses e direitos deste povo.
Após o boom de discernimento, o porteiro virou síndico; O garçom agora é o chefe de cozinha; O taxista se tornou o dono da linha de uma frota que atende exclusivamente na periferia, facilitando o acesso das pessoas e barateando o serviço na quebrada; O pedreiro hoje estuda para a prova de engenharia civil do segundo semestre da faculdade; As serventes e as babás se uniram e hoje são Administradoras das creches do bairro, ganhando uma grana e ajudando cada vez mais as mães que não tem onde deixar seus filhos, mostrando que agora as creches tem mais recursos para auxiliarem as mulheres a se tornarem a passos largos independentes, e em muitos casos, extremamente mais eficazes que o serviço prestado por seus maridos; As cozinheiras pressionaram o Estado e triplicaram o número de restaurantes populares, no qual começaram a chefiar. Os restaurantes da região a princípio chiaram devido à concorrência subsidiada, mas depois entenderam a causa, e com a ajuda da associação comercial do bairro, que enfim se mostrou forte,começaram a vender suprimentos para esses restaurantes do governo. O que aumentou em 200% suas receitas, e fez com que o número de empregos concedidos também dobrasse; As domésticas se uniram por meio de seu sindicato, e exigiram um piso salarial 500% mais alto. Resultado: a procura por este serviço diminuiu consideravelmente, mas o desemprego não cresceu. Simples: cerca de 10% das que foram efetivadas firmaram acordo de doar uma parte do salário ao sindicato. Não era uma doação obrigatória. Mas o sindicato fez um trabalho de conscientização, que elas mesmas acharam desnecessário, pois se os representantes do sindicalismo pediam 10%, elas doavam 20%, pois sabiam que este dinheiro era transferido diretamente aos fundos de apoio às domésticas desempregadas.Todas elas ganhavam 50% de desconto de um curso universitário bancado pelo sindicato no primeiro ano, mais a certeza do acordo com a Faculdade da Sul, que subsidiaria o restante do curso.
A mesma faculdade, foi obrigada a se integrar ao serviço de Recursos Humanos do Estado, devido à lei aprovada pelo deputado e Rapper Mano Brown, que “apoiado por mais de 500 mil manos”, conseguiu uma histórica eleição a assembléia legislativa. A lei exige de todas as instituições de ensino superior da cidade de São Paulo, o apoio à inclusão no mercado dos alunos oriundos das bases ainda periféricas da cidade, em troca disso, o Estado barganha um vantajoso desconto, e, em certos casos, a isenção completa do imposto de renda.
Lógico, tudo isso com o apoio da União, que também sofreu com a vingança de quem até então era marginal, preto ou pobre.
Imagine tudo isso!
Aproveite e ouça ao fundo “Vida Loka II” dos Racionais, pare a música bem na parte em que o Brown é interpelado e alguém diz “How...how.. Brown acorda sangue bom, aqui é Capão Redondo, tru, não pokémon. Zona sul é o invés, é stress concentrado, um coração ferido, por metro quadrado”. Neste momento acorde você. Leia o “Capão Pecado”, “Ninguém é Inocente em São Paulo”, “Manual Prático do Ódio”, ou qualquer outro livro que te deixe puto com a submissão que passamos.
Lembre-se que quem mora no Capão já está uma hora atrasado pra chegar a qualquer lugar da cidade. E aí, vai ficar choramingando?
É hora de acordar.
Hora do levante da quebrada se unir, e pôr fim a essa escravatura branca.
Quem sabe o outro lado da ponte torne-se uma civilização sem serventia e dê valor à explosão cultural que acontece do outro lado da cidade?

“A Revolução depende menos da força das armas e mais da ponta do lápis ou do bico da caneta; mais do saber dos livros e menos do fogo dos canhões. A educação e a cultura são estratégicas para as transformações sociais e econômicas no mundo globalizado.”

Fidel Castro

22 dezembro 2007

Criadores

Quando o criador sente que perdeu sua obra para o mundo, tira alguns minutos em seu canto, encosta os dedos sobre as pontas de cada fio de cabelo, e, inquieto, respira e se põe a refletir.
Tranqüiliza sua mente ao ver o sorriso em sua obra.
Não importa se é sincero ou não. Sabe que é um sorriso.
Ele que já viu, por tantas e tantas vezes, a expressão da derrota na face de sua obra-prima, sabes que chegou uma nova etapa.
Mais uma vez não pensa o quão duradoura será esta empreitada, apenas a respeita.
Se a felicidade pede para habitar outro lar, não importa mais nada. Deixa que ela o habite.
Não se trata de derrota. Apenas segue a ordem natural das coisas.
Confessa que quando fica ausente de seus sonhos, se distancia do avesso que um dia foi proposto.Sem prosa, sem poesia, sem linguagem, não passa de espera por uma nova sintonia.
Dá alguns passos.
Pára num bar celestial...
Bebe todas as águas como se fossem cervejas;Grita como se fosse a última vez que sua voz fosse sair;Canta como se fosse um pássaro sabiá... E olha para o rio...Como se ele realmente fosse perfeito...
Quase não enxerga os peixes.
Continua a acreditar que o sorriso é o mérito a voz de sua obra: doce e racional. Ácida e sentimental. Decidida e carente. Virtuosa e Dolorida.Mesmo assim, descobre que o verbo não faz mais parte de sua poesia.Mas não se intimida.
Esquece os erros, saúda a tua conquista e em uma prosa que continua a ser escrita, compartilha em silêncio a tua merecida alegria, afinal, já sabe quem és tu, criatura.

Game Over

Não acredite nas verdades que lhe prometeram, pois elas simplesmente são mentiras repetidas incessantemente, até que a nossa vontade de crer que estamos no caminho certo nos conduza a um abrigo genuíno.
Esse refúgio, muitas vezes conhecido pelo termo utopia, é a expressão mais covarde a qual podemos creditar qualquer tipo de fé.
Baixo, mesquinho, ingênuo, comete sempre os mesmos erros e ainda tem o dom de acalentar o ambiente, com doses de esperança, que concedem à consciência do indivíduo a sensação de que da próxima vez, uma mentira bem contada, bem elaborada em seu cinismo poderá deixar o horizonte um tanto quanto nítido.
Engano.
Entre a nebulosidade e a escuridão, residem as promessas vazias que se contradizem. Tolas, ainda tentam reformular suas palavras falsas, e com artimanhas capciosas ao pé do ouvido, praticam o jogo da mentira.
Peço licença para mentir.
Quero acreditar em mim só mais uma vez.
Chega de depender da boa vontade de quem joga.

06 dezembro 2007

Amanhã

É amanhã.
Deixe a manhã ostentar suas cores, o sol dizer bom dia, a primeira brisa refrescar sua alma, enquanto só pensas nos sonhos que quer viver à noite.
Um abraço.
Conte aos seus anseios em seus braços, que és forte e que assim continuará, até que o último trago de esperança a embebede num porre doce como o sangue daquele salvador que transformou a sua angústia em vinho.
Cante.
Decante o encanto de suas palavras em harmonia com teu espírito indeciso, que a partir da consolação se sentirá mais perto do conflito que tanto a persegues e que hoje tanto desejas.
Fale.
Falhe ao tentar ser mentirosa. Diga somente a verdade, pois foi por meio dela que conquistou a confiança de quem lhe desejou desde o primeiro instante, desde o primeiro e cativante sorriso.
É amanhã.
Me abrace.
Me cante.
Me fale.
Me faça acreditar.