12 fevereiro 2008

Quebrada - Parte 2

To pensando em dar o fora, mas acho que se eu fizer isso vai dar muita guela.Caralho, acho que vou colar na pista de boa; Se pá vou ficar de golinho por aqui mesmo, nunca se sabe. O foda é que se eu sumir os caras vão correr atrás de mim. Conheço essa raça. E tem aquela grana que eu tenho que levantar também. Eu sei que o Matraca é firmeza pra cacete, mas aí, num pode vacilar. O cara é capaz de me apagar também. Merda, onde vou levantar trezentos conto!?
- Robas, Robas? – A Janaina tava com os olhos desesperados.
- Que foi mina? – tentei desviar a atenção, sem deixar claro que já sabia do que tava pegando.
- O IML ta aí, os homi também. Tão interrogando todo mundo. Os caras vão chegar aqui daqui a pouco.
Ao ouvir a voz da Janaína, a Nadia deu um pulo da cozinha pra sala. Passou pela cortina que divide os cômodos, que quase despregou tudo, derrubando aquele pano velho. Até hoje a Nádia ainda tem ciúme da minha primeira namorada.Ela olhou de forma seca e sem vida. O desdém é bem clichê na relação das duas.
Janaína fez um cumprimento cordial. Nada mais que isso.
Nadia assentiu com a cabeça, apenas por educação.
- Cara, você num vai fugir?
- Nem fodendo.
- Mas se os caras colarem por aqui, vão levantar a tua capivara e você vai se fuder grande. Tenho medo de você dançar também.
Ao ouvir essas palavras eu percebi que ela ainda balançava. Isso que é foda, porque a parada é recíproca pra caralho. Sempre gostei dessa mina, mas hoje vivo com a Nádia e ela representa demais. Além do mais, preciso deixar a parada tranqüila, vai que a Nádia percebe que eu ainda fico meio assim com a Jana; Pô, se acontece uma fita dessas aqui, a casa cai lindo. To ligado que a Nádia é boazinha e tal, mas se eu mexer com ela desse jeito a chapa vai esquentar, acho que ela é capaz de cortar meu pau quando eu tiver dormindo. Sabe depois daquela bombada bem foda, que você só pensa em dormir com a mina abraçada do teu lado, achando que deu a melhor trepada da tua vida? Então. Ela é capaz de me fazer acreditar que está tudo bem; se pá deixa até fumar um cigarro, andar de cueca pela casa, pegar uma água na geladeira, voltar pra cama e cair no sono. Aí, o chicote estrala. Ela vem, abre o criado-mudo e saca uma faca ainda meio enferrujada. Só pra doer mais. Só pra me foder de verdade. Dái, só alegria pra ela. Capaz de dar risada enquanto vê o sangue jorrando.
Porra, essa parada de sangue jorrando me lembrou um filme que eu vi esses dias, acho que foi na casa da Jana mesmo, deveria ser da coleção pirata do Luna. Ele era cliente incondicional da barraca do Gordo. No três por dez, num tinha pra ninguém. Ele era o freguês que fazia a vida do Gordo.
Mas então era o filme de uma loirona, gostosa do caralho. Ela saia matando geral, e sempre tinha aquela parada de sangue jorrando. Porra, tem uma hora que ela entra numa parada cheia de japa e sai matando uma pá de cara de olho puxado. Tem até uma banda de umas minas que cantam uma música bizarra, mas aí a carnificina é louca demais. Parece que a mina manja como funciona as coisas na periferia. Mas aí, tem que substituir a espada de samurai pelo cano. Porque aqui, a parada às vezes é resolvida no debate. Por outras, na mão mesmo; mas quando o diálogo dá um role e nem Deus dá jeito, é hora da bala comer.
A Jana ta confusa.
Num sabe se chora pela perda do irmão, ou se chora pelo fato de poder perder o único cara que ainda faz sentido pra vida dela.
Seu João e Dona Nice morreram cedo demais, e os dois foram criados pela vó. Mas aí, a Dona Tereza era uma velha inocente demais pra perceber o que acontecia com seus netos.
Enquanto o Luna entrava pro mundo do veneno, a Janaina tentava sobreviver trampando como louca nos faróis e shoppings, sempre se prostrando à playboyzada. É o sistema.
Um dia ela ficou puta, quando ouviu numa mesa de um engomadinho: “Ah, mas a gente faz intercâmbio. Enquanto mandamos gente nossa pra Costa do Sauípe, pra Fernando de Noronha, eles mandam a baianada que fogem dos pau de arara direto pro Tietê”.
Depois que um filho da puta desses perde relógio, tênnis e a banca, falam que o problema ta na periferia. Esses merecem a lei da rua.
A Jana tinha uma vida foda pra cacete, porque tinha que cuidar da dona Tereza, a Vó Terezinha, como eles gostavam de chamar.
E, cara, chovia vagabunda na casa dela. A maioria atrás do Luna, que era um cara muito presa. Sempre teve o dom com as mulheres. As minas sempre eram indiferentes com grande parte da molecada da quebrada, mas quando o assunto era o Luna, elas sempre tinham história pra contar. O maluco passou o rodo, as que deixava de lado, a gente tinha que agarrar no dente. Ainda bem que eu sempre fui mais sussa, e as duas únicas minas que eu gostei de verdade foram a Jana e a Nádia.
E todas as vagabundas tentavam influenciar a Jana.
Mas a mina escapava.
Tantas e tantas vezes escapou dos roles que as minas marcavam. E foi numa fuga dessas que ela me chamou pra casa dela. Assistir uma fita do Stallone, antigona pra cacete.
E enquanto o Falcão virava o boné em busca da redenção com o filho eu encontrava o amor pela primeira vez.
Jana, minha eterna indecisão.

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