30 janeiro 2008

Quebrada - Parte I

O vagabundo ainda tentou me vender àquela porra!Já disse, se não for da amarela, nem passa na frente da minha porta. Maluco persistente dos infernos. E eu já disse, nem gosto disso. Minha parada é outra. E o sacana sabe disso.Seria cômico, se não fosse uma trapaça maldita.O Luna, bem que tem colê aqui na quebrada, mas ele ta passando dos limites.Ontem, no bar do Salgado ele quis vender pros moleques do colégio das freiras, aquela porra de maconha aditivada. Os maluquinhos já estão tão loucos, que não tem mais nada que os façam entrar em transe. Mais nada os deixa pirados como no comecinho. Naqueles tempos em que só o Bira podia subir o morro, e colar na rua do Alemão, atrás do beco do Sacolão.Acho que vão apagar o Luna.A Janaína ficou sabendo dos comentários, e já avisou o cara. Mas num adianta. O bicho é teimoso pra cacete, e logo algum neguinho que comprou coisa errada com ele volta pra tirar satisfações. Comigo também não foi diferente.Eu tava louco pra dar uns pegas num barato diferente. Num queria pó, porque odeio aquela sensação de estar com o nariz sempre coçando. Isso me incomoda pra porra. Eu não sou viado, e nem to com frescura, mas aí, só quem tem rinite e fica com o nariz escorrendo,e a garganta coçando, vai me entender.E porra, os olhos ficam estalados. Sou mais eles pequenininhos, quase não se abrindo, como os furinhos de lata de óleo. Putz, esqueci que agora a maioria do óleo está sendo vendido em embalagens plásticas.Parece que essa porra é pra ajudar o meio-ambiente, eu acho. Agora ta foda essa onda de responsabilidade sócio-ambiental.Caralho, a única responsabilidade que eu tenho com o mato é quando ele queima. Só me preocupo se ele está sendo bem queimado, e se na ponta está a minha boca.A Nadia chegou.Ela tem uma irmã gêmea, a Natalia. As duas estudavam em Moema. Nadia foi a primeira pessoa que minha irmã conheceu da sala. A Natalia começou engenharia e depois pulou pra arquitetura, logo, caloura dela estudavam junto e praticamente viviam juntas, apesar da minha mana teoricamente morar em outra casa.... Os últimos tempos elas moraram juntas, ela tinha travesseiro, escova de dente, roupas,pertences em geral na casa delas, iam pra faculdade, ela almoçava em casa, voltava pra faculdade e já ficava na casa delas e assim durante muito tempo até que um dia,um sábado, foram pra festa, beberam todas e mais ainda, fizeram a festa delas, porque não tinha festa lá.A Julia, minha irmã, sabia como fazer uma boa cachaça subir pelos córneos.Ela colocou uma mistura de cerveja com pinga envelhecida, com música boa, porque elas gostavam dessas paradas mais “cults” . Tocavam Chico, Los Hermanos, Elis, Caetano, e todas essas merdas que os viados e putas da burguesia adoram.Nessa noite o bar fechou, e as minas foram beber na casa dum amigo qualquer, só mais um viado. Mas acabaram dormindo na casa da Cris, uma gostosa que os caras tudo pagavam um pau. Amigona da Julia. Todo mundo queria comer aquela vadia.Minha irmã conta que o celular dela acabou a bateria e que acordou no domingo com a Cris falando no telefone com alguém e ela dizendo“Natalia tava passando mal”. E elas não conseguiam falar com ninguém. A Natalia foi internada no domingo, saiu na terça, o caminhão da mudança chegou na quarta. Sexta elas foram embora.A Julia se culpou até o fim pelo seu celular sem bateria, sendo que ele nunca ficava sem bateria. Foi foda. Perdeu prova, reprovou em uma matéria por conta dessa semana, ficou com as duas em uma cadeira de fio no hospital durante duas noites, chorando, porque elas iam embora e pedindo pra mãe delas não fazer isso.Resolveu ir atrás delas, mas eu tive que impedir.Numa loucura acabou se envolvendo com uns caras meio estranhos e um deles deu fim nela.A Natália, outra burra, estava junto naquele dia.Meus pais correram atrás do safado, mas eles tiraram tudo da gente.Ficamos sem um puto.Meu pai começou a beber.Minha mãe num agüentou o tranco e sumiu no mundo.A Nádia sofreu pra caralho também, e resolveu correr pro meu lado.Foi a pior coisa que ela fez na vida dela.Mas tudo bem, eu voltei pra onde eu não deveria ter saído.De volta ao Capão.Porra, eu amo essa mina. Nem sei porque lembrei dessa merda de história toda.Mesmo aqui na quebrada ela num me abandona, e ela já teve tudo. Eu nem esquento com as porras que eu tinha, porque cresci aqui e sei como é o tranco de quem pega busão, de quem acorda cedo pra se fuder na rua.Ela abre a porta.Caralho, que mina linda.Olha só, ela cortou o cabelo(Acho que devo falar isso pra ela. Mulher sempre adora essas paradas).Mas quando penso em disparar qualquer comentário ela já chega atravessando:- Porra, cê viu? Passaram o Luna essa noite. Ele tá lá, jogado em frente ao escadão. Acho que os caras do IML tão lá examinando o corpo, toma cuidado aí que a rua tá cheia de coxinha.Eu até esqueci a ira que eu tava com o maluco. Sabe, acho que quando alguém dá o fora assim do nada, acho que vale a pena um sentimento, uma consideração qualquer, mesmo sabendo que o filho da puta tava merecendo. Caralho, tava demais, acho que vão me investigar. Saber se num foi meu subconsciente que deu fim no maluco à noite, enquanto o meu corpo estava na nóia estatelado na cama.Vai saber, na quebrada nada está por todo certo, assim como quem sobrevive, nunca está errado.

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