03 janeiro 2008

Porcentagens


Poucos passos.
Retorna.
Quase pisou em cima.
Com o pé direito passou sobre a pedra que estava ao lado. Pedregulho qualquer. O papel amarelado e o pó nas beiradas, não escondiam a idade do papel. Surrado e com a tinta quase a sair das linhas, mal conseguia ser lido. Abaixou-se e agarrou a carta. Quem perderia uma carta? Quem perderia um objeto, que em quase todos os momentos, remete coisas boas e faz lembrar de um tempo próspero, ou faz parte de uma prosperidade que terá seu tempo?
Não consegue essas respostas, por mais que fossem simples demais.
Lembra-se de que a perda nem sempre é uma escolha.
Ao se certificar disso, começa a ponderar suas idéias.
Esnoba o julgamento prévio e tenta pensar numa forma prática de ajudar a pessoa que escreveu a carta, ou melhor, a pessoa que recebeu a carta.
O remetente deveria ser alguém muito frustrado.
Nas primeiras linhas de suas palavras, desabafa toda a crise que passa naquele momento. Sente-se um pouco comovido. Afinal, vive situação semelhante à do mero remetente.
Não acredita em coincidência. Com frieza analisa os fatos e crê na hipótese do bem e do mal, da cara e da coroa, do yin e do yang. Os extremos. Quando não há extremo, existe o marasmo, e isso ninguém nota, não faz diferença, e para tanto é descartável. Ambos deveriam estar na porcentagem dos 25% de dificuldade, que todo ser humano passa. Os 50% de calmaria , como lembra, são inofensivos. Já os 25% da euforia, são para ele a utopia de uma vida feliz.
Ao terminar de ler a carta, sente-se confuso.
O final é esperançoso, exuberante, passa fácil pela calmaria e chega ao último quarto do comportamento do remetente.
Crê que algo de muito estranho está acontecendo.
Não pode ser isso. Não sabe ser isso.
Cada frase parece que foi feita por ele.
Tem que descobrir quem escreveu aquilo.
Pensa por alguns instantes enquanto olha para o céu. Não quer ser caricato, mas realmente não sabe o que fazer. Não se importa se agora não passa de um personagem marcado de qualquer conto barato escrito sem pretensão, e no meio dessa despretensão toda, busca mesmo seu espaço.
Relê cada vírgula e dessa vez com a minúcia necessária para matar todas as charadas e chegar a uma simples conclusão, mesmo que ela seja complexa de ser entendida.
Relê as ultimas palavras:

“Não importa se o vento trará você pela manhã. Não importa se a noite escurecer enquanto o sol brilhar no teu olhar, não importa se serei ou não importante para ti. Serei para ti o que em sonho você é pra mim”.

E assim descobre o enigma.
Não há enigma.
Seu bolso está entreaberto. E a carta que um dia iria entregar ao seu grande amor, hoje não passa de lembrança covarde, de um tempo que não teve coragem de existir.

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