26 março 2008

O Adorador

Abrigado, Joel não trás consigo mais nenhuma característica de retirante: Hoje tem residência fixa; não busca mais uma estrela que norteie seus passos; e pode, certamente dizer que encontrou seu lugar. Sim, Joel hoje tem um abrigo, não um lar. Um viaduto não pode ser considerado uma moradia. Quando se utiliza a nomenclatura de “residência fixa”, todo e qualquer transtorno de um lugar fedido e úmido é ignorado. Todo o barulho de carros desgovernados e jovens bêbados, que toda noite fazem companhia à insônia de Joel são jogados ao esquecimento. Afinal, não é nenhum sociólogo ou agente do Estado que comprove a salubridade de seu arruinado abrigo. Não têm quadros na parede. (apenas uma rachadura enorme, que parece crescer, cada vez que um caminhão passa em alta velocidade na parte de cima de sua pseudocasa).Joel tem sorte de seu viaduto ficar em frente a um restaurante popular, onde se alimenta com certa qualidade, por apenas um real. Isso pode ser convertido em duas pulseiras que vende com o lucro de cinqüenta por cento. As compra de seu amigo hippie, Raul. Vizinho de desgraça, parceiro empreendedor, sócio e cúmplice de Joel. Mas Joel, o trabalhador, não precisa mais arar terra seca; Joel, não precisa olhar os cactos e expurgar seu sumo até que extraia algum tipo de alimento, que conforme seu estômago por algumas horas, enquanto se apronta pra ir cortar cana, de sol a sol; Não precisa andar léguas em busca de um balde com menos de um litro d’água amarela, rica em doenças e viroses; Joel é um homem da cidade. Um trabalhador. Logo se mudará para um cortiço, oxalá, para um barracão de qualquer favela mais próxima. E, em pouco tempo, quiçá terá a oportunidade de dividir dois cômodos em algum lugar por ali mesmo, região central, onde seu empreendimento medíocre se instaurou. Joel é um homem bem-sucedido. Joel é hoje um Serevino Metropolitano, que se orgulha de ter abandonado suas raízes, sua história, para se aventurar em busca de uma estrela guia, que, de rio em rio, o levou a encontrar nas águas da cidade que caem dos céus, a seca de sentimentos que conforta o seu total desamparo.Mas, segundo sua mãe dizia, Joel significa adorador de Jeová, o seu Deus. Quem sabe, entre uma prece e outra, seu admirável criador lembre-se que aquele papelão nunca poderá ser chamado de cama. Dorme Joel, que amanhã o dia será duro como o de hoje.
O que adorar, então?

Nenhum comentário: