21 abril 2008

Curva de Rio

Eles despejam lá no começo.
Seus entulhos, objetos pessoais em desuso, e todas as reminiscências que querem esquecer.
E a mim, curva de rio, só resta guardar toda essa herança medíocre.
Ontem, um sofá quase impediu a passagem da água.
A correnteza vinha, mas não havia acordo;
Esperava, como se estivesse no trânsito paulistano. E eu, nem sou o Pinheiros, tampouco o Tietê.
A água amarela, pálida, finge que sabe seu curso. Grande mentira.
Ela também está perdida.
Outrora, já estaria no afluente certo, e não me deixaria aqui, só a receber dejetos.
Tenho que pegar minhas coisas e ir embora, antes que me sequem.
Ontem, essas águas pálidas trouxeram a notícia de que tem muito rio aí que tão botando fogo. A água não consegue apagar a chama, e os caras queimam mesmo. Queimam tudo.
Não sei se a água do meu rio consegue apagar uma chama dessas não.
É muita irresponsabilidade.
Eles jogam tudo: piano, armário, pet, pneu, escada, fogão. Tudo.
Dia desses, li um anúncio de jornal que passou por aqui. Dizia que por aí tem rio mais calmo. Acho que vou me embarrancar e me jogar nessas águas, me misturo na palidez e me formo em alguma escora. Vou ver se encontro o mar. É isso. Sair de encontro ao mar.
Mas tem que ser tudo com muita calma. Tem que correr tudo como as águas mais serenas.
Será que um dia isso pára?
Sei não.
Eles despejam lá no começo.
Eles não sabem onde é o fim.
Eu só sei que não quero mais ser curva de rio.

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