21 abril 2008

Os Amigos da Augusta - Parte II

Fogueira pegou seu mp4 e saiu em direção ao ponto.
Botou a mão no bolso, mas lembrou que seu bilhete único estava com o Mago também. Tinha que encarar a caminhada.
Pelo menos lembrou das pilhas recarregáveis. Ao olhar um poste cheio de papéis de mulheres que oferecem-se como “damas de companhia”, pensou em ouvir “Propaganda” do Sepultura. Tinha quase certeza de que tinha baixado. Realmente estava lá. Subia a 13 de maio, em direção à Brigadeiro.
Na verdade, queria mesmo é dar uma passadinha na 14 bis. Era certo que a Renatinha, aquela guria que fez filme pornô, estaria na casa da Ana Paula.
Mas era tímido demais. Tinha certo sucesso com as mulheres, mas não por ser galanteador e persuasivo. Era mais pela aparência magricela, e um certo ar de jovialidade. Algumas delas ainda se interessam por rapazes com cara de bebê. Não a Renatinha. E isso o incomodava. Deu uma paradinha no mercado, pra dar uma mijada considerável. Muita cerveja, de baixa qualidade pra piorar, dá nisso. Passou no caixa e uma atendente fitou-o como se estivesse se querendo. Poderia renegar aquele momento como fazia sempre, mas acordara disposto, tanto que não foi tão submisso ao discutir com o Johnny. Era hora de distribuir ao menos um sorriso de canto. E foi isso que fez, sem muita convicção, mas estava seguro que já era um começo. Aliás, por sentir segurança, já não era apenas um começo, era um avanço digno. Daqueles de pagar uma cervejada pra toda galera quando chegasse no bar.
A menina entendeu o sorriso como um sim, e fez-se de agradecida. Porém, como parte do momento de conquista, virou-se de ombros, dificultando a leitura de sua postura. Isso confundiu demasiadamente o Fogueira. Bem, chamá-lo sempre pelo apelido das ruas, é de certo muito incômodo.
Vamos aos fatos, então.
No terceiro ano, quando estava pra se formar num colégio da zona sul, onde conheceu seus dois amigos de apartamento, resolveu organizar um lual com a galera, no dia do acampamento. Isso, quando fossem para a tão esperada viagem de formatura; Na época, arrastava um caminhão para a Ana Paula, a guria da praça 14 bis. Tudo certo, viagem já no segundo dia, quando, enfim, chega a noite do lual. Pegou o violão do Milton, aquele que era o típico garotão boa pinta, o popular da escola, que só andava com os caras queridinhos das meninas, e resolveu tocar uma música. Logo, direcionou seu olhar para a Ana Paula, e pediu a ela que escolhesse uma música. Até então tudo dentro dos conformes, pois antes da roda se formar, já tinha combinado com o Milton, que em determinado momento, pediria o violão, e esboçaria uma canção. Sabia que a previsibilidade de Ana Paula inclinaria seu pedido à uma música da Legião. Ensaiou todas as mais clássicas, de “Pais e Filhos” à “Eduardo e Mônica”, mas não esperava que naquela noite, Ana Paula estivesse um tanto quanto fora do mainstream.Pediu “Quase Sem Querer”, que para qualquer fã de Legião, é uma canção comum. Para ele era um tormento.
Lembrou-se que naquela época que o Du, o cara que sentava a sua frente, gostava daquela música e tentou puxar na memória os primeiros versos.
“Tenho andado sempre distraído...
Não....
Acho que é diferente...
Tenho sido distraído...
Caralho, todo mundo olhando pra mim!
Pior, a Aninha já tá sem paciência.
Como eram os acordes mesmo!?
... distraído... impaciente e impreciso...”

- E aí, sai ou não?
Ao invés de ajudar, porque era certo que o Milton sabia a música, o cara só botou mais pilha.
- Tá saindo.
E, quando o Milton estava quase pegando o violão de suas mãos, percebeu que Ana Paula desistira de ouvi-lo. Estava a se levantar. Seu desespero foi tamanho, que, esbaforido, tentou correr atrás dela, sem lembrar do violão, que caiu na fogueira. Levantando chama de mais de metro. O fogo quase queimou seu rosto, mas não era aquela chama que o queimava. Sendo ridicularizado por todos os colegas, o que queimava mesmo suas bochechas era a chama da vergonha. Ali mesmo, na brasa dos acontecimentos, nasceu o codinome Fogueira.
E era esse mesmo Fogueira, distraído, impaciente, indeciso, que quase sem querer estava a olhar a moça do caixa. Essa, já não mais interessada. Afinal, assim como na viagem da formatura, o Fogueira demorou demais para aprender a canção.

...

Nenhum comentário: