20 setembro 2006

Entre as Ruínas

Eles sabem o que vai acontecer, e mesmo assim não se desgrudam. Sofrem juntos.
Seus corpos há muito tempo deixaram de existir em pluralidade, formando um ser anatomicamente perfeito.
Único.
Ele, inseguro e arredio sente que aquele abraço é o último, que todos os afagos e palavras sussurradas serão as últimas, que o próximo beijo, por mais infinito que seja em sua essência, será o último.
Ela, enxuga a última gota de lágrima que cai de seus olhos. Jamais terá a oportunidade de sentir um confronto maior de qualquer tipo de emoções em sua mente, proporcionando assim aquela tradicional sensação de insegurança.
Ambos estão seguros de si. E, de fato, seguros do que o destino tem reservado para suas cansadas vidas.
Um primeiro estrondo os assusta, mas não os desencoraja.
As primeiras prateleiras começam a despencar, tal como um dominó sincronizado, e se esbarram nas ruínas.
Alguém do lado, desesperadamente começa a rezar seu credo, já sabe que não existe mais volta. Não existe mais redenção.
Abafado pelo alarido interno do prédio, o barulho das sirenes do carro do corpo de bombeiros, mal consegue penetrar as frestas das paredes, que continuam a desabar lentamente, numa dança cadenciada e letal. Certamente, o último ato.
A pequena criança que acabara de ver a mãe falecer, já não tem mais forças para clamar por socorro e mesmo ao ouvir voz distante do bombeiro, não esboça nenhum sinal de reação. Inerte. Apenas observa as pessoas que se despedem em meio ao desespero, mas se concentra no casal, pois ali está a sua tranqüilidade, sua paz de espírito.
Ao verem a criança, relembram-se das diversas tentativas frustradas de gravidez e da perca prematura do único teimoso que ousou colocar os olhos nesse mundo.
Teria vez o filho do amor em um mundo tão hostil?
Não, claro que não!
Eles tinham a exata certeza disso, mas olharam nos olhos daquela criança, que mesmo distante ainda conseguiu murmurar uma palavra: “paz”.
Provavelmente, ela quis dizer pais em alusão aos entes que acabara de perder, mas o pano de fundo daquela situação, não deixava dúvidas: Paz. O menino queria paz. Os que sucumbiam queriam paz. Os bombeiros queriam paz.
Entre as ruínas do local, o casal, teimoso e inconseqüente quis mais.
Um último estrondo, um último abraço, um último beijo, contemplaram a paz daquele conflituoso momento, no qual a certeza de um amor sereno abraçou a felicidade.
Eles sabiam o que ia acontecer, e mesmo assim não se desgrudaram. Sofreram juntos e soterrados encontraram a eternidade.

4 comentários:

Anônimo disse...

Olha, o amigo escreve crônicas. Não sabia. Que beleza, hein. Vou tentar lembrar de passar por aqui. Um abraço, paulistinha. Té mais.

Anônimo disse...

Bonito, mas muito triste...

Paulinha Barboni disse...

Isso me deixou um pouco depressiva! rs - Mas eu acho que se apegar a uma espectativa torna a certeza, por mais dura que seja, um pouco menos violenta, sabe! Acho que os últimos minutos deles foram os mais ternos de toda a sua vida. É um texto literário muito lindo. Parabéns!

Sobre a minha puta cara de pau - rs, eu não tenho culpa, sai sem querer! hahahahaha...e fiquei emocionada por vc finalmente postar no meu blog...rs

Anônimo disse...

ah querido...
assim a lilasete fica triste! hahaha.......lindo como todos! parabéns!
bjo