15 abril 2006

A Lenda de Jasmin

As folhas do jatobá caíam pelo chão, assim como as lágrimas de Jasmin, formando um pequeno poço de desespero e revolta. Lá estava ela, pela primeira vez, chorando pelos seus erros e de seu povo. Aqueles olhos de mel perderam a doçura e se entregaram ao pecado comum das civilizações desenvolvidas: O desejo. Seus pais, o Cacique Caruá, e a Xamã Manduru, bem que tentaram afastá-la dos conflitos da vida, mas o espírito guerreiro de Jasmin era a voz que gritava por justiça, quando os espíritos conformistas se davam por vencidos. Jasmin, um metro e setenta de coragem vertical, era uma líder revolucionária, da tribo Bororé, no interior da Amazônia. Conhecia como poucos todos os atalhos daquela mata fechada, um verdadeiro labirinto natural. Corria feito criança, ao redor de onças e cobras, que jamais te colocavam medo. Na verdade, toda a biodiversidade da Floresta Amazônica, era para ela, simplesmente um maior leque de amizades. Sim, Jasmin tinha como melhores amigos, os animais selvagens. Selvagem era Jasmin. Uma fera indomável, que nem seus pais, o tempo, ou até mesmo Deus conseguia deter. Mas, enfim, um dia a fera foi ao chão. Durante anos e anos, décadas e décadas, a luta pelo domínio das terras do extremo norte do Pará, foi travada por homens brancos em busca de fortuna extraída da enorme gama de possibilidades de riquezas naturais da Amazônia,contra nativos da floresta, que apenas defendiam seu habitat histórico. Jasmin, cresceu em meio a conflitos entre seringueiros e madeireiros, mas mal sabia, que em poucos anos, se tornaria uma verdadeira guerreira, e principal defensora da Tribo Bororé. O Cacique Caruá, por várias vezes, proibiu sua filha de participar dos treinamentos secretos dos guerreiros bororés, mas a garota sempre se desvencilhava e encontrava um subterfúgio qualquer para estar junto aos combatentes da tribo. A Xamã Manduru, perdeu as contas, de quantas vezes ensinou à sua filha, seus dotes de feitiçaria e de cura.Jasmin se interessava apenas por táticas de hipnose, e por plantas que possuíam um poder letal, pois estas seriam suas possíveis armas em uma eventual guerra. Com o passar do tempo os pais perceberam que, a transformação da filha em guerreira era iminente e que, mais nada poderia ser feito a respeito. Ambos deveriam abençoá-la e a entregar à Calú, a deusa da guerra bororé. Jasmin foi condecorada guerreira e logo descobriu sua aptidão e traquejo para os assuntos bélicos. O perfume de Jasmin era o feromôneo que a atraia para a guerra. Com o passar do tempo, a índia bororé se tornou um mito, não só por sua profunda coragem, mas também por sua inquestionável beleza. Essa beleza imponente, despertava além de medo aos seus adversários, uma profunda admiração de seus seguidores. Os bororés veneravam sua deusa, e todos queriam a honra de tê-la como companheira fiel. Enquanto disputavam a sua companhia, o cabelo de petróleo, a boca carnuda, os olhos melados, os seios fartos e o corpo troncudo e modulado de Jasmin, nada pretendiam, com homem algum daquela tribo. Nos últimos tempos, as lutas entre bororés e exploradores se intensificaram, e Jasmin declarou estado de alerta máxima na tribo. Em um dia de festa, os bororés comemoravam a captura de um jovem explorador, que se perdeu na floresta e, que implorava por sua vida.O Cacique Caruá, não deu ouvidos as preces daquele pobre coitado, e decretou que o invasor deveria morrer. Pela primeira vez, Jasmin teve pena do homem branco, mas jamais poderia questionar uma decisão de seu pai. A guerreira olhava o homem com profunda piedade, e o invasor olhava para ela como se estivesse hipnotizado. Sua morte seria menos dolorosa, pois estava encantado com a magia da deusa selvagem. A índia bororé realmente não conseguia tirar os olhos do forasteiro, mas as razões, pelas quais se envolvia em piedade, jamais sentira antes. Seu coração disparava em ritmo de batalha. Seus olhos se fixavam como se estivesse frente a frente com o perigo. Sua respiração era ofegante e sua transpiração era incontrolável.

"- O que será isso?

- O que está acontecendo comigo?

- Por que não consigo odiar este homem?

- Como posso salva-lo?

- Será que meu pai irá me ouvir?

- Será que estou enlouquecendo?

- Será que ainda sou uma guerreira?

- Não sei Jasmin”.

Juro que não sei, respondia sua confusa consciência.
Mais uma vez Jasmin correu...
Agora para se pintar para a guerra. Estava pronta para enfrentar seu pai, sua tribo, seu mundo. Jasmin estava realmente enlouquecida e esta loucura que alimentava sua alma, lhe dava a maior coragem que um guerreiro pode ter: O amor. Não sabia explicar o porquê, apenas sentia. Algo deveria ser feito para impedir a morte daquele que, pela primeira vez, flechou o coração de uma deusa. O Cacique Caruá estava pronto para o ritual. Seus súditos tribais aguardavam impacientemente pelo derramamento do sangue inimigo. Jasmin voltou o mais rápido possível, agora pronta para a guerra, mas era tarde demais. Seu forasteiro já estava no chão e seu povo já comemorava. Foi neste instante, em que as folhas do jatobá caíram pelo chão, assim como as lágrimas de Jasmin, formando aquele pequeno poço de desespero e revolta.
Jasmin fez o mais eloqüente discurso de sua vida, condenando o ato, que de forma alguma seguiu os verdadeiros princípios bororés de Justiça, Paz e Liberdade.
Mas enquanto gritava com seu povo e secava suas inconformadas lágrimas, ouviu a milagrosa voz daquele que invadiu seu coração. Ao lado do forasteiro, que se levantava um tanto quanto inconsciente, estava a Xamã Manduru, que colheu uma das folhas de jatobá banhadas com as lágrimas de Jasmin, e deu ao invasor.

Dizem que tudo isso não passa de lenda, mas o fato é que depois desse acontecimento, o homem branco e os nativos bororés passaram a se integrar em perfeita harmonia.E, mesmo ninguém sabendo se o forasteiro foi salvo pelo poder da xamã, ou pelo amor de Jasmin, não há nenhum ser daquela região que não acredite que essa lenda é tão real quanto a intolerância ou o poder do amor.

Um comentário:

Robson Assis disse...

Que história legal.

Caralho, muito bom. Não consegui parar de ler até terminar.

Não sei se tem algo a ver com algum fato Bororé, mas achei legal pra cacete.

Seria o forasteiro um homem branco degenerado?

Abraço,
Robas