30 julho 2008

Gelo e Limão

Que as luzes não me encontrem.
Que a paz não chegue hoje.
Que eu não chegue a lugar algum.

Deixe-me no canto, isolado.
Mereço solitude, desejo solidão.
Não atrapalhe este momento.
Não peço nada além do direito da dor.

Se é para ser intensa, que seja em mim.
Se é para ser sincera, que minta em mim.
Se veio para ficar, que eu seja morada.

Deixe recado à esperança: diz que hoje não vou.
Traga mais um cobertor, quem sabe uns lenços,
Quem sabe umas fotos antigas.

Ah, não esqueça também de caneta e papel.
Não sou tão bom de memória.
Minha ingenuidade acabou.
Meu sabor, se amargou.

Mais uma vez, sou gelo e limão.
Mais uma vez, frio e amargo.

Assim como me disseram ,
Enquanto as luzes estavam acesas.

Arte?

Queria fazer arte...
Ser pincel em mão de artista.
Ser ateliê antes da pintura.
Ser quadro, antes da moldura.


Queria ser arte...
Fazer a obra sem ser obra.
Fazer a tinta apagar a sombra.
Fazer exposição de mim.

Arte não fiz.

Artista não sou.

E o que sobrou de mim,
Além da a arte de sobreviver?

22 julho 2008

Sala de Espera

Carrega sobre o peito
Não mais que lamúrias.
Sobre os ombros,
Cai a primeira cobrança.

Não tens a liberdade.
Não tem nada.
Sofreu para ter pouco,
E, dores muitas têm na cabeça.

Mas é esta que conduz.
Deixou para trás o coração.
Perdeu-se no caminho obscuro,
Talvez ao flertar com a lucidez.

De lúcida, apenas a dor.
Não vê médico na emergência.
Delicadamente, a dor se espalha.
Um rancor seco adere ao corpo:
Eis a única companhia.

Na sala de espera,
Não há esperança.

Na sala de espera,
Não espere por mim.

17 julho 2008

Infinito Descompasso

Uns quilos a mais...
Uns sonhos a menos.
Um certo comodismo.
O errado comodismo.

Seis Anos...
Incontáveis noites em claro.
Infindáveis dias sem luz.
E o fim, que sempre esteve próximo,
Na dança do tempo
Tornou-se princípio.

O menino que estudou comunicação.
É em silêncio,
O homem que arruma a gravata.

Fez a barba.
Despiu-se de ideologias.

Cara limpa,
Corpo sujo.

Os sapatos,
Um pé por vez.
Um passo...
E o infinito descompasso.

11 julho 2008

Cidade Em Mim

Não queria estar noutro lugar.
Não queria respirar ar puro.
Quero São Paulo.
Te quero, São Paulo.

Sou marginal,
Mas atravesso a ponte.
E, da ponte pra lá,
Não sou benquisto.

A cidade é cinza,
Como os sonhos paulistanos.
Mas não me leve daqui.

Não sou bandeirante,
Não sou desbravador,
Não matei índio.

Sou da prole...
Do Morumbi lotado...
Dos shows no Pacaembu.

Para Interlagos,
Não tenho verba.
De lá, lembranças
Do clube das crianças impossíveis,
Do palco,
Da piscina amarela de urina.

Sou do Capão,
Mas não gosto de mato.
Sou de São Paulo,
E por São Paulo me mato.

E ela,
O que faz por mim?

Nada.

Se fizesse,
Não seria São Paulo.

Além dos prédios,
As nuvens.
Além das nuvens,
A solidão.
Além da solidão,
O trabalho.

A labuta que conforta.
A alienação que abraça o capital.
O capital que sustenta
As primas da casa da tia Augusta.

Aqui, as idéias de Paraíso
E Consolação são clichês.
Se quiser inovar,
Tem que ir além.

Não conheço nada além
Da solidão Paulistana.

Eu não quero ir a lugar algum.
Quero ficar em São Paulo.
Quero ser São Paulo.
Como São Paulo é em mim.

07 julho 2008

Sem Pestanejar

Ela surgiu como uma estrela...
Eu só queria habitar uma galáxia distante.

Ela pediu paciência...
Eu não tinha direito de pedir nada.

Ela dormia com os anjos...
Eu acordava com a devastação.

Ela cobrava seus direitos...
Eu tinha uma listagem de deveres.

Ela era de direita...
De virar à esquerda, fiquei torto.

Ela fazia bolinhos de chuva...
Impreciso, eu só faltava fazer chover.

Ela era quase sonho...
Eu tinha certeza que o pesadelo existia.

Ela sorria pra mim...
Eu ainda tinha ranço no coração.

Ela sempre soube me amar...
Sequer descobri que o amor pode ser descoberto.

Ela foi embora sem olhar para trás...
Eu que não sou besta, sem pestanejar faria o mesmo.

Devastação

Espero não ser Brisa.
Não nasci para ser Vento Leve,
Não tenho cara de Frescor.

Batizado como Furacão,
Apelidado, Tornado.
Gosto da devastação.

As telhas caídas;
As paredes sobrepostas;
O mar que está de ressaca...

Bebemos juntos a noite passada.
Ele pediu algumas oferendas,
Eu apenas uma Coca-Cola.

A Outra Banda

Da guitarra virtuosa,
Ao frenesi dos solos,
Não há platéia a aplaudir.
Não há palco para pular.

A estrutura foi desmontada:
Nem Rock in Rio;
Nem Woodstock.
Sidarta faria mais barulho.

A cozinha,
Já não é mais tão entrosada.
O vocalista,
Não canta mais versos livres.

O show acabou.
A banda hoje não passa mais.