21 abril 2008

Os Amigos da Augusta - Parte II

Fogueira pegou seu mp4 e saiu em direção ao ponto.
Botou a mão no bolso, mas lembrou que seu bilhete único estava com o Mago também. Tinha que encarar a caminhada.
Pelo menos lembrou das pilhas recarregáveis. Ao olhar um poste cheio de papéis de mulheres que oferecem-se como “damas de companhia”, pensou em ouvir “Propaganda” do Sepultura. Tinha quase certeza de que tinha baixado. Realmente estava lá. Subia a 13 de maio, em direção à Brigadeiro.
Na verdade, queria mesmo é dar uma passadinha na 14 bis. Era certo que a Renatinha, aquela guria que fez filme pornô, estaria na casa da Ana Paula.
Mas era tímido demais. Tinha certo sucesso com as mulheres, mas não por ser galanteador e persuasivo. Era mais pela aparência magricela, e um certo ar de jovialidade. Algumas delas ainda se interessam por rapazes com cara de bebê. Não a Renatinha. E isso o incomodava. Deu uma paradinha no mercado, pra dar uma mijada considerável. Muita cerveja, de baixa qualidade pra piorar, dá nisso. Passou no caixa e uma atendente fitou-o como se estivesse se querendo. Poderia renegar aquele momento como fazia sempre, mas acordara disposto, tanto que não foi tão submisso ao discutir com o Johnny. Era hora de distribuir ao menos um sorriso de canto. E foi isso que fez, sem muita convicção, mas estava seguro que já era um começo. Aliás, por sentir segurança, já não era apenas um começo, era um avanço digno. Daqueles de pagar uma cervejada pra toda galera quando chegasse no bar.
A menina entendeu o sorriso como um sim, e fez-se de agradecida. Porém, como parte do momento de conquista, virou-se de ombros, dificultando a leitura de sua postura. Isso confundiu demasiadamente o Fogueira. Bem, chamá-lo sempre pelo apelido das ruas, é de certo muito incômodo.
Vamos aos fatos, então.
No terceiro ano, quando estava pra se formar num colégio da zona sul, onde conheceu seus dois amigos de apartamento, resolveu organizar um lual com a galera, no dia do acampamento. Isso, quando fossem para a tão esperada viagem de formatura; Na época, arrastava um caminhão para a Ana Paula, a guria da praça 14 bis. Tudo certo, viagem já no segundo dia, quando, enfim, chega a noite do lual. Pegou o violão do Milton, aquele que era o típico garotão boa pinta, o popular da escola, que só andava com os caras queridinhos das meninas, e resolveu tocar uma música. Logo, direcionou seu olhar para a Ana Paula, e pediu a ela que escolhesse uma música. Até então tudo dentro dos conformes, pois antes da roda se formar, já tinha combinado com o Milton, que em determinado momento, pediria o violão, e esboçaria uma canção. Sabia que a previsibilidade de Ana Paula inclinaria seu pedido à uma música da Legião. Ensaiou todas as mais clássicas, de “Pais e Filhos” à “Eduardo e Mônica”, mas não esperava que naquela noite, Ana Paula estivesse um tanto quanto fora do mainstream.Pediu “Quase Sem Querer”, que para qualquer fã de Legião, é uma canção comum. Para ele era um tormento.
Lembrou-se que naquela época que o Du, o cara que sentava a sua frente, gostava daquela música e tentou puxar na memória os primeiros versos.
“Tenho andado sempre distraído...
Não....
Acho que é diferente...
Tenho sido distraído...
Caralho, todo mundo olhando pra mim!
Pior, a Aninha já tá sem paciência.
Como eram os acordes mesmo!?
... distraído... impaciente e impreciso...”

- E aí, sai ou não?
Ao invés de ajudar, porque era certo que o Milton sabia a música, o cara só botou mais pilha.
- Tá saindo.
E, quando o Milton estava quase pegando o violão de suas mãos, percebeu que Ana Paula desistira de ouvi-lo. Estava a se levantar. Seu desespero foi tamanho, que, esbaforido, tentou correr atrás dela, sem lembrar do violão, que caiu na fogueira. Levantando chama de mais de metro. O fogo quase queimou seu rosto, mas não era aquela chama que o queimava. Sendo ridicularizado por todos os colegas, o que queimava mesmo suas bochechas era a chama da vergonha. Ali mesmo, na brasa dos acontecimentos, nasceu o codinome Fogueira.
E era esse mesmo Fogueira, distraído, impaciente, indeciso, que quase sem querer estava a olhar a moça do caixa. Essa, já não mais interessada. Afinal, assim como na viagem da formatura, o Fogueira demorou demais para aprender a canção.

...

Curva de Rio

Eles despejam lá no começo.
Seus entulhos, objetos pessoais em desuso, e todas as reminiscências que querem esquecer.
E a mim, curva de rio, só resta guardar toda essa herança medíocre.
Ontem, um sofá quase impediu a passagem da água.
A correnteza vinha, mas não havia acordo;
Esperava, como se estivesse no trânsito paulistano. E eu, nem sou o Pinheiros, tampouco o Tietê.
A água amarela, pálida, finge que sabe seu curso. Grande mentira.
Ela também está perdida.
Outrora, já estaria no afluente certo, e não me deixaria aqui, só a receber dejetos.
Tenho que pegar minhas coisas e ir embora, antes que me sequem.
Ontem, essas águas pálidas trouxeram a notícia de que tem muito rio aí que tão botando fogo. A água não consegue apagar a chama, e os caras queimam mesmo. Queimam tudo.
Não sei se a água do meu rio consegue apagar uma chama dessas não.
É muita irresponsabilidade.
Eles jogam tudo: piano, armário, pet, pneu, escada, fogão. Tudo.
Dia desses, li um anúncio de jornal que passou por aqui. Dizia que por aí tem rio mais calmo. Acho que vou me embarrancar e me jogar nessas águas, me misturo na palidez e me formo em alguma escora. Vou ver se encontro o mar. É isso. Sair de encontro ao mar.
Mas tem que ser tudo com muita calma. Tem que correr tudo como as águas mais serenas.
Será que um dia isso pára?
Sei não.
Eles despejam lá no começo.
Eles não sabem onde é o fim.
Eu só sei que não quero mais ser curva de rio.

20 abril 2008

Obras Bestiais

Se a tristeza não fosse a razão de minhas palavras, não teria razão de vir até aqui.Menciono palavras alegres e edificantes como felicidade, paixão, harmonia, paz, fraternidade, mas no fundo sei que elas são menos reais que a própria realidade.São obras cruciais da ficção que construí.Mas grande problema, encontro na tentativa de transformar estas palavras mencionadas em atitudes concretas.Acho que um pintor deveria sempre imaginar sua musa inspiradora andando pelas ruas. Sua obra deveria viver sempre as mesmas situações de pessoas comuns. Os mitos, assim como as obras-primas, são talvez as maiores bestialidades criadas pela ignorância humana.

17 abril 2008

Reclassificado

Não me encontraram nos classificados.
Hoje, abri-me nas páginas de esportes, e numa rede de tênis, espichei meu corpo. Do aro da notícia da NBA, uma bola veio em minha direção. Fui ligeiro, e desviei-me sem pestanejar; caí no Morumbi. Era dia de jogo. Ainda tinha torcedor reclamando da arbitragem; ainda tinha vestígios de alegria; Em vermelho, branco e preto, os tricolores saíam a comemorar mais uma conquista. Decidi fazer campana por uma noite.
Ao acordar, com a boca com gosto de cabo de guarda-chuva, ou corrimão de metrô, fui ao lavabo da página de saúde. Na gastronomia, encontrei meu pai em um outro restaurante. Acho que esse trabalho de garçom deve ser muito cansativo. O admiro por isso.
Precisei ir ao caderno das cidades para saber como andava o trânsito. Pela Marginal, engarrafamento monstro até a chegada da Ponte João Dias. No sentido centro, a complicação era ainda maior. Será que um dia encontrarão um jeito para este caos? Não sei bem, mas quem deveria dar soluções, no momento faz articulações políticas. Afinal, outubro está aí, e sem uma base aliada que possa fazer frente, não se pode dizer que existe uma candidatura sólida. Ao menos era isso que diziam alguns dos comentaristas de política. Estavam todos em polvorosa, pois nada ainda tinha sido definido, e com tais impasses, maior era o número de alianças, de intrigas, e, logo, maior era o tempo que as notícias sobreviveriam.
Mas voltei ao meu caminho.
A temperatura era agradável. No rodapé do caderno das cidades, temperatura de 25°. Como aquilo tudo estava mudando. O bairro mais perigoso do mundo – como outrora conhecido – seria o local de nascimento do primeiro astronauta a pisar em marte. Não o primeiro astronauta brasileiro, e sim o primeiro astronauta em todo mundo.
Um orgulho para o Capão Redondo.
Equipes do caderno ciência estavam presentes em diversas ruas do bairro.
Jornais concorrentes faziam fila para me entrevistar.
Eu me recusei.
Voltei à capa do Jornal. Agora como farsa.
Não foi muito difícil, mas após investigarem um pouco da minha formação acadêmica, descobriram que, nem astronauta sou. Não passo de um impostor. Sou um escritor barato, que vive no mundo da lua. Confundiram tudo. Não era marte, era lua. De lunático, talvez. Não me importei. Já estava nos céus.
Deixe-me em paz, pois de hoje em diante estarei em marte.
Anunciei neste mesmo jornal, neste mesmo classificado, que me desclassifiquei deste mundo que precisa de um periódico para anunciar sua realidade, ao invés de reclassificar a periodicidade de seus sonhos.

14 abril 2008

Inquietudes de Um Menino

Olhou torto, mas não esboçou palavra.
No canto da sala, ficou a observar a movimentação da criançada. Um menino de mais ou menos uns quatro anos chamou bastante a atenção. Sim, decerto era uma criança. Mas tinha um pesar no semblante, que fazia com que a testa se franzisse, e, que, cada dobra acima dos olhos, mais parecesse uma ruga de preocupação. Um sinal claro de que as ações do tempo deterioraram o aspecto jovial de sua existência. Não pegava Lego ou carrinho de bate-bate. Isolava-se do batalhão mirim, e se anarquizara por opção.
Henrique, ao sentir essa protuberância do tempo, tentou pegar o menino no colo, ou ao menos se socializar com o garoto. Mas não obteve êxito. O garoto deu de ombros às investidas de Henrique, e como medida preventiva, tratou de recuar três passos. Em seguida, fechou a cara.
Agora dava medo. Fazia questão de passar essa mensagem.
Ao perceber o clima hostil, Henrique tentou um diálogo amistoso:
- Ei, pode ficar calmo. – com os braços abertos em busca de uma receptividade, ou pelo menos, para passar ao guri, a imagem de diplomata – Eu quero ser seu amigo, rapaz! Como você chama?
O menino ficou em silêncio. As outras crianças por um instante pararam de brincar e tomaram ciência do que acontecia na sala principal do orfanato. Henrique pôs em prática sua percepção aguçada, que anos atrás fora elogiada, por grande parte das pessoas que faziam parte de seu contato social. Declinante contato social, diga-se aqui.
Tentou se afastar e buscar paz, mas não alcançou nem uma, nem outra. Como seguira conselhos de sua prima Danúbia, dedicou-se à hábitos mais ligados a civilização oriental. Tentou bravamente equalizar os seus ombros. Tentou a serenidade da alma, tanto por religiões, quanto em pensamentos e filosofias. Fracassou em tudo. Juntou-se em frustração, acelerou o carro depois de um enfadonho dia de trabalho e parou num Burger King. Mas estava sem fome, pediu só uma Coca-Cola.
Alice estava no pátio.
Já havia falado do menino com cara de homem.
Do homem que se habitou no corpo de um menino.
Para ser sincero, Alice já havia mencionado o semblante daquele menino, por incontáveis vezes, com Henrique. Falava de todos os meninos. Do Celcinho, que tinha uma calça amarela do Bob Esponja, e que toda vez que via Alice parando o carro, ou dobrando a esquina, já corria para o portão em busca de um caloroso abraço, coisa que só poderia ser feita pelas tias da instituição; Tinha a Ferruginha, que ficava pior que pimentão, quando alguém fazia alguma troça, ou quando a colocavam em situação de exposição pública, deixando seu rosto a arder, e suas pintinhas ainda mais rubras; A pequena Dani, que acabara de chegar na Casa das Tias, mas que não tinha vergonha alguma de se aprumar, dada e faceira que era; O Miltinho, que parecia mesmo o Milton Nascimento, com aquele cabelinho todo arrumado pelas Tias, e com a vertente afro completamente exposta; Tinha tanta criança agradável. Tanta criança cheia de luz, e tinha também o misterioso, o incompreendido, Lucas.
Ela detestava trata-lo assim, mas era inevitável;
Sua presença assustava os adultos. Ou talvez, sua ausência fazia com que os adultos buscassem sua presença. Ele já fora estudado até por um estudante de sociologia, que analisou as estruturas sociais de uma sociedade mirim. Foi engraçado, porque as bases hierárquicas, os perfis de liderança e os excluídos, foram detectados desde o primeiro estudo. Foi preocupante demais a conclusão do estudante. Com base em seus acompanhamentos, grosso modo, ficou decretou-se a definição sim de uma pequena sociedade, que já era provida de desigualdade. E falamos de um grupo de crianças de três a sete anos.
Mas, Zeca, o estudante, não conseguiu fundamentar o comportamento de Lucas. Teve que buscar apoio de alguns professores e amigos psicólogos para esboçar uma teoria breve, da situação do pequeno.
“Uma figura que não apresenta carisma, não tem perfil de liderança, mas que também não compartilha a plebe dos excluídos. Os que mais apanham, mais choram, mais têm brinquedos quebrados; Os outros, o observam com um certo receio. E ele, nem olha para a cara deles. Aliás, não olha nos olhos de nenhuma pessoa. De quando em quando, dá a impressão de que soltará um breve sorriso. Mas deixa claro que não será um homem que colocará sempre seus dentes à mostra. Contido nas atitudes, respeitado nas ações, exerce o papel de guru espiritual, de pajé, de monge. Mas o que menos se vê em Lucas, é espírito, alma, vida. Lucas é o retrato da existência humana sem paixão. Uma racionalidade ordinária, cansada. Não há em Lucas ânsia pela descoberta. Mas é inegável, que qualquer um que dá de olhos com o guri, não tem mais o controle das emoções. Como um pequeno bruxo, esta criança despeja seu feitiço – para o bem e para o mal; Uma pena, talvez seja um gênio incompreendido, uma figura antes de seu tempo, mas o que fazer com uma criança de apenas quatro anos que já escreve perfeitamente? Ela já sabe que incomoda, e, acima de tudo, ela já se sente incomodada com as inquietudes da mente humana”.

...

11 abril 2008

Campana Feita

Inseguro, fez campana à espera de uma resposta.
Comeu palavra, costurou tempo, despiu-se aflito.
Na janela, o horizonte turvo, insolente, nada diz.
A sofreguidão, não arrebatou nenhuma angústia.

Decerto, já é hora de acender a luz, um cigarro.
Dobra a esquina, como dobrara outrora os joelhos.
Não sente mais as dores, nem os calos, nem nada.
Concentra-se apenas em uma resposta soberana.

Não pergunta mais. Tem medo de gerar polêmicas.
Já foi inquisitivo por demais. Chegou a hora de calar.
Cala o coração, a alma, os ouvidos, os olhos, a boca.
Cala a chama de sua existência. Entrega-se ao silêncio.

Este, de quando em quando, vem e lhe dá conselhos.
Talvez seja pouco, pois já não tem mais o que perder.
Já nem sente mais insegurança. Maduro, sai do abrigo.
Campana desfeita, resposta ascendida, rumo ao norte.

Uma passada no sul, para rever a saudade. Doce saudade.
Segue em frente. Vê ao seu lado quem olha pra trás.
Dá de ombros e chega a sentir certa pena dos saudosistas.
Diferencia-se deles. Não vive de saudade. Feliz, apenas vive.

08 abril 2008

O Circo

Se faltar pão, eis o circo:
http://www.vermelho.org.br/admin/img_upload/capa_diario.jpg

Sensíveis de plantão que me desculpem, mas não agüento mais o caso Isabella.
Se o sensacionalismo ainda não venceu, ao menos minha paciência já foi nocauteada.
Não se trata de insensibilidade, ou descaso com a triste e vexatória história de assassinato da pequena criança.
Na realidade, não existe mais espaço na minha mente para casos como esse.
Vejo nas ruas, nos botecos, e nos mais inusitados lugares tal discussão. A busca incessante pela resolução do crime número um do país. Todos formulam palpites, teorias e acusações sem o menor embasamento. Trata-se de um momento de expor a criatividade, canalizando-a para o lugar completamente equivocado.
Enquanto a população se dispersa, o mosquito da dengue volta a fazer novas vítimas no Rio; os escândalos dos cartões coorporativos, dossiês, e, até mesmo os outros crimes hediondos são esquecidos.
Ninguém dá a mesma importância ao caso do Tibet livre, invasão no Iraque, e outros conflitos internacionais. Lógico, “é tudo muito longe daqui”, “Não é problema nosso”, “Eles que resolvam o problema”. E essa é a tendência natural.
A venda de jornais popularescos aumenta; a audiência de programas que dão cobertura ao caso, por quase toda a sua duração, aumenta; só não aumenta a paciência do pobre ser que em casa – ou na rua – tem que ouvir os mesmos comentários, as mesmas farsas, os mesmas julgamentos.
Sinceramente, espero que esse circo termine logo, e que um novo espetáculo recomece, porque a lona que está aí armada, pode ruir a qualquer momento, sem que a justiça seja realmente feita, sem intervenções da mídia, da própria opinião pública, e que a alma da pequena criança, tenha seu descanso legítimo. Descanso esse, longe da verdadeira insensibilidade que mais uma vez é alimentada por nossa platéia, digo, pela sociedade brasileira.

07 abril 2008

Sentimentos de Propósito

Dizia não ter propósito.
Amanhecia com a noite, e adormecia seus olhos pela manhã.
Era amigo da Promessa e da Culpa.
A falta de compromisso o deixou confuso.
Comprometeu-se com a Desordem, então.
Fez um rascunho de seus planos para destruir a Solidão, destruiu o rascunho.
Digno. Não seria reto ter um roteiro para encontrar a Felicidade.
Bem que ela tentou marcar um encontro, mas ele não compareceu. Ela, a Felicidade, ansiosa e cheia de calor, chegara com o intuito de fazer frente às Sombras. Mas sua jornada foi inglória. Sempre contraditória, ficou a esperá-lo, mas ele não se apresentou. Em nenhum dos encontros.
Ele, o Amor, foi o mais injustiçado.
Tentou sempre chegar a tempo do encontro com a Felicidade, mas sempre tinha que comparecer na casa da Angústia, sua amante. Tentou sair algumas vezes com a Paixão; mas esta, era louca demais, nunca Constante. Tinha ápices e delírios que o afastavam da Paz. Flertou com o Companheirismo, mas como esse tal Companheirismo era o filho único da Fraternidade, a relação não poderia dar certo.
Fez-se só.
Não pôde ser compartilhado.
Não pôde ser ouvido.
Entendeu assim, que o Amor por mais que se apresse, só encontrará a Felicidade quando ambos estiverem no mesmo propósito.

06 abril 2008

Os Amigos da Augusta

- Levanta logo filho da puta.Cadê a porra da chave?
- Já disse num tá comigo. O Mago veio aqui antes e fez um arrastão. Num deixou merda nenhuma. Até as pílulas ele levou.
- Veado de merda. Caralho, se eu encontro um filho da puta desses na rua, eu estouro meus dedos de tanto socar a cara dele. Você sabe onde ele foi, seu cabaço?
- Não, Johnny.
- Mano, falo sério. Se ele tiver com a porra da chave, vai dar bosta.
- Com a chave, e com todo o resto.
Johnny saiu apressado. Não tinha nenhum respeito. Nunca teve. Se bem que o idiota do Fogueira não merecia muita consideração. Sempre foi um imbecil de renome. Ninguém que caia pros lados da Augusta, não tinha uma história na ponta da língua ridicularizando o pobre do Fogueira. Acho que deve ser por causa do seu jeito meio altista, seu corpo franzino, aquele cabelinho loiro de menino de comercial de loja de brinquedos, ou sua cara de perfeito vacilão.Outros dizem que é por causa da criação. Ou pela falta de criação. Abandonado, foi jogado de orfanato à orfanato até completar a idade de cair no mundo. Lógico que caiu de cara. Não fez nada certo desde sua saída do último abrigo de menores (o nome da instituição não convém aqui). Poderia inventar um nome qualquer, mas num vem ao caso. Diziam que ela era tão azarado, que “seria o primeiro loiro com sina de garoto negro”.
Já o Johnny era o típico bad boy. Sua fama o perseguia, e quando não perseguia, ele fazia questão de voltar atrás e traze-la a força, coibindo qualquer pessoa que estivesse no caminho para atrapalha-lo. Entre a fragilidade e a truculência, estava o Mago.
O equilíbrio do trio de amigos, Mago, era um cara sonhador. Um desses que ainda acreditam nas pessoas. Pior espécie essa. Típicos pacifistas. Intermediadores. Que querem corrigir os que torturam, e fortalecer os oprimidos. Muito patético.
- Tô saindo agora. Tem idéia de onde ele pode ter ido, ô sua bicha loira?
- Então, velho. Acho que ele colou com os malucos da 9 de Julho, aqueles do posto. Ele tava por lá, enquanto os malucos tavam cheirando lá atrás do posto. Na sexta eles chegaram a entrar na DJ, mas parece que hoje o Mago ta meio sem grana. Acho que eles vão ficar ali no bar da Outs mesmo. Se ta ligado que o Mago adora aquela porra de Juke-box, né?
- Sei como é. Então, mas e o carro, porra?
- Acho que tá com ele mesmo. Faz tempo que o Rato num passa e pede a chave emprestada.
- Caralho, só porque hoje eu precisava dar uma transada daquelas. A mina ta louca pra dar. E eu num quero colar com ela atrás da casa dela. Isso é coisa de estuprador. Mano, é do tipo fina, ta ligado? Num dá pra comer em qualquer porra de lugar não. Qualquer dia ela vai chiar e começar a dar pra outro maluco. Ela tem cara de certinha, Fogueira, mas é a maior vadia. Se manja quem é, né?
- É aquela loira gostosona, que você conheceu no madame e pegou o msn?
- Não porra, aquela praga cheirava mais do que eu. E sempre sobrava pra mim. Eu que tinha que pagar o bagulho.
- Ah, tá. Pensei que era ela.
- Não, seu bosta. É a Vanessinha. Lembra, quando a gente tava na festa na casa da Paula, ela deu maior mole pra mim. Só que ela tava com um maluco. Mas deu pra ver na cara dele que era o maior jão. Eu fiquei meio cabreiro no começo, mas depois mandei um foda-se. Enquanto ele tava lá embaixo, eu fiquei com ela lá perto do som. A gente entrou no banheiro e eu mandei uma dedada nela. Você tinha que ver. A mina já veio se abrindo. Na hora eu percebi que era transeira. Ela veio pra me chupar. Mas aí, a Luana tava na porta e deu um toque. Saiu toda descabelada. Eu fiz uma média, depois sai de boa.
- Porra, então a mina é dessas.
- Cara, lógico que é. Engana bem, né não?
- Só, velho. Eu achava que ela namorava a sério o Ricardo.
- Que nada. Aquele ali é um troxão.
- Mas aí, tentou ligar pro Mago já?
- Lógico, porra. Só dá caixa postal. Acho que vou ter que chamar a Vanessinha pra cá. Vai ter que vazar, hein?
- É. Sempre sobra pro idiota do Fogueira...


Continua...

04 abril 2008

Sinais

Sinal vermelho.
No MP3 player, ouve Stones.
Sábias palavras que o tio Jagger veio desabafar: “You Can't Always Get What You Want”. Nem sua mãe poderia ser tão precisa. Talvez não prestou muita atenção, quando as palavras maternas tentaram formar um cidadão menos dependente; uma criança menos mimada. Nada adiantou.
Os anos se apresentaram, mas o desejo de querer tudo, sempre foi uma constante.
Nem mesmo as primas derrotas transformaram aquela essência de ser, em um humano mais lúcido. Cresceu perdedor, mas fortaleceu seu ego com alucinações e frivolidades, que derrocaram seu caráter.
Mesquinho e inseguro, tratou a vida com extremos. Não se manteve atento em relação ao imenso e rico caminho que diferencia vencedores de perdedores. Existe uma gama infindável de defeitos e qualidades que habitam essa distância. Cada esboço, cada tentativa, cada peculiaridade. Descartou tudo isso em nome de uma sociedade punitiva, que não compactua com a fragilidade, com o choro, com a segunda chance.
Na ânsia de ser o melhor em todos os momentos, esqueceu de viver esses momentos. Programou-se. E, nesta programação, não foi capaz de distribuir bem os instantes em que deveria se dedicar às coisas simples. Mas até hoje, isto não faz a menor falta.
Em seu Sedan, o ar condicionado é a brisa daqueles que não sonham. Mas, injusto seria dizer que não sonhou. Teve sim uma meta. E eis aí a grande diferença. Projetou sua felicidade, entregou-se à em bens de consumo, à estruturas materiais. Rendeu-se ao palpável (não falo aqui do toque de mãos, de corpos que se encostam, de olhares que se cruzam, ou por vergonha, se protegem); Menciono o carro, a casa estruturada, o terno, a gravata, o sapato, o equipamento de áudio e vídeo. Seus bens, que fazem bem, apenas à sua distração. Jamais sentiu o frescor da liberdade.
Será que é o momento de uma redenção?
Enfim chegou a hora de concentrar seus esforços na tentativa de resgatar sua natureza perdida?
Está atrasado.
Não perde seu tempo com reflexões dispensáveis. Apenas segue reflexos, como o de passar a primeira marcha.
Sinal verde para a ignorância.

Nuvens Despidas

Quando não houver mais tempo, perca seu tempo em mim.
Não finja que não pode, não finja ao meu triste coração;
Somente a chama do nosso amor queima mais que o fim.
Somente o nosso crepúsculo nos levará à legítima redenção.

Não sou ingênuo em crer na aurora de uma nova chance.
(Nossa história não tocará no rádio, não passará na teve);
Não somos canção pronta, nem novela, tampouco romance.
Somos o fruto de nossa derrota, somos semente de quem crê.

Como não acredito, sigo sozinho, sem fronteiras, sem nação;
Fui libertado, mas vivo de sonhos, para os sonhos, em vão.
Pelo prazer de negar a crença, dissipo-me ao abraçar o tempo.

Os olhos curvados contemplavam sua alma tímida, lembrança.
No chão, nossos errôneos passos, nosso tablado, nossa dança.
No céu, nuvens se despem e se recobrem quando sopram o vento.

03 abril 2008

Acasos

Ao acaso, fez-se maior que a própria dor.
Dor que desfrutou, e sorriu de seu acaso.
Negou sua paixão, envolveu-se na tolice.
Não cortejou somente um tolo abandono.

Resignado, viu a existência na resistência.
Contra as sombras, mirou os olhos ao sol.
Ofuscado pela inocência, perdeu até a fé.
Seu templo foi razão; e a razão, sua alma.

Vendeu-se, seduziu-se, cedeu-se às idéias.
Por acaso, seus pobres ideais se esvaíram.
Aceitou o convite de se apaixonar de novo,
Mas fez-se asno, de asneiras se alimentou.

Não viu plenitude em vida. Não viu a morte.
Esqueceu a razão, mas antes descobriu, sim:
A morte é a conseqüência congênita da vida;
Já a vida, é apenas uma seqüência de acasos.

01 abril 2008

O Moço e o Mar

Não é com este barco que deves navegar.
Se o mar praguejar ondas em ti, lembre-se:
Ele apenas exerce seu direito sobre a maré.

Se o estômago embrulha, devolva o presente;
Faça cara de desentendido. Se lance ao sal.
Tire do corpo a camada áspera. Deixe resquícios.

Sinta-se um bife à milanesa. Não um filé.
Talvez um pescado. Mas não uma carne nobre.
Nem pescado. Sua carne é vermelha na essência.

O sangue que pensou em derramar, e não o fez;
Preguiçoso demais para tais sacrifícios.
Nunca levou nada ao altar. Nada e ninguém.

Jamais se alucinou, não fará cerimônias.
Atribulado e incorreto, apenas quer o mar.
Mas será que sobrevive à próxima tribulação?

Não conhece o mar, não conhece o barco.
Outrora, ouviu lendas e contos de marinheiros.
Mas não há sereia que encante a realidade.