27 abril 2007

Cheiro de Recesso.

Sinto apenas o cheiro.
Única lembrança de um tempo em que a felicidade não pedia licença para invadir as frestas da janela de nosso quarto. Agora, do meu quarto.
Ao te deixares naquele dia, meu orgulho se alimentou de uma soberba nociva e coerente.
Acho que todas as coisas aças coerentes despertam o sentimento mais idiota no ser humano.
Não vivemos de coerência, por mais que possamos ser racionais.
Não vivemos de argumentos, por mais que sejam adoráveis nossas incertezas.
A incoerência é um dom, uma dádiva, que rejeitamos de forma inerente, sem perceber mesmo. Talvez por distração, talvez por sentirmos prazer em sofrer e quebrar a cara.
A incoerência é o cheiro da vitória renegada.E esse cheiro, que exala por nossos poros, que emana de nossa consciência, nada mais é que a certeza de que o amanhã poderá ser diferente desse recesso.

16 abril 2007

Artigo Indefinido

Uma luz. Meio opaca, meio ofuscada, mas mesmo assim, uma luz.
Uma cruz. Um tanto quando surrada, um tanto quanto glorificada, mas ainda uma cruz.
Uma esperança. Talvez um pouco tardia, mas que ainda se apresentou como uma esperança.
Uma crença. Quem sabe deveras ludibriada, mas que ainda se pode crer.
Uma doença. Que destrói o pensamento racional saudável, mas não deixa de ser uma doença.
Um lance. Jogado sem muita destreza,ou habilidade, mas que pode ser o grande lance.
Uma chance. Um tiro no escuro, um salto de um muro, afinal, cair em pé, é uma chance.
Um artigo, uma mercádoria, uma matéria, uma singela parte, que em suas confusões e indefinições, fazem da vida, a parte articulada da lei de nossa sobrevivência.

04 abril 2007

A Praia Da Saudade (Parte 1)

Contráriando às recomendações do Doutor Ferraz, Almeida enfim pôe os pés na rua.
Em pleno estado de repouso, guardando vigília, se cansa da rotina de doente e resolve dar um passeio breve na orla. Mal sabe que não seria tão breve assim.
Ainda cheirando ao álcool de farmácia, entra no bar e substitue o composto: sai o cheiro que por uma semana foi seu único companheiro, e entra em seu corpo o cheiro de álcool etílico, seu companheiro de toda a vida. Não poderia trair seu fiel amigo.
Caça uma moeda de cinquenta centavos para pagar a dosinha. Procura e o suador começa a exalar pelo seu corpo o líquido de sua vergonha.Muitos bolsos para pouco dinheiro, muito suor para pouco trabalho, muitos anos trabalhados para poucas conquistas.
"Ah, Joana..."
Aquele corpo moldado por Deus em dia de inspiração, realmente causou estrago na alma surrada de Almeida.
Sai, mas antes pega um côco para dar uma salvada. Quem aguenta um calor de trinta graus? Um enfermo?
Transpira feito um condenado, mas não perde a chance de atravessar o calçadão.
Pensou que nunca mais iria colocar os pés na areia da praia. Turrão e obcecado, recebe o presente que tanto aguardou: A visão da Praia Saudade.
"Que praia maravilhosa!" exclama ao seu coração, como se fosse um murmúrio.
A Praia da Saudade é relamente explêndida, mas em breve, Almeida descobrirá o real sentido daquele pedaço de perdição.

Continua...

02 abril 2007

Quanta saudade do tempo, em que minha única preocupação era a de ser feliz.

Parece que foi ontem.
Talvez me distraí enquanto pensava em ter realização profissional. Nunca quis ser um grande homem de negócios. Às vezes, a escolha pelo caminho mais simples, não garante que esse caminho será mais curto, tampouco menos severo. Faço o que não gosto. Sou relativamente bem pago para isso, e, devido às circunstancias atuais, me prostituo numa fábula real. Poderia ganhar menos, mas... não...continuo. Sei que sairei em breve, não tenho mais motivos (exceto os financeiros), para continuar naquele ambiente. E se fosse apenas esse o motivo da minha vida de puta estaria tudo “ótimo”. Se quem me deve me pagasse, estaria com muito mais chances de me desvincular daquilo que mais agride minha dignidade. Mas, relembrando, sou pago.
Quem deveria me pagar finge que nada aconteceu, e que as dívidas caducam assim do nada, como em um audacioso truque de mágica.
Sei que tudo isso é enfadonho. Que todas essas palavras são batidas para quem me conhece, e indiferentes para quem não tem contato comigo, mas pelo amor, se eu não puder dizer isso aqui, caralho, onde mais direi? Essa página continua sendo minha, cacete!
E hoje, eu juro que gostaria de escrever algo mais alegre, mais positivo, mas quanto mais eu iluminava com o sol as palavras, mais nebulosos eram meus pensamentos, que praticamente anularam a chance de aparecer algo mais “fofinho” por aqui.
Estou em frente ao espelho, dizendo o que eu sinto. Dizendo o que eu vejo. E , na tentativa desenfreada de ver o que eu sinto.
Que saudade daquele tempo!
Como era bom ter que me preocupar apenas com a semana de provas no colegial.
Que delícia era ter apenas a função de “boy” em casa. Por mais que ficasse preso em uma fila de banco, o dinheiro vinha do papai. A fatura era do papai. Mesmo com as despesas do filhinho.
É, o mundo deu uma bela guinada, e hoje estou do lado de cá do balcão, vendo os mesmos guris uniformizados com cara de tédio, enquanto esperam na fila.
Mal sabem eles que estão no melhor momento de suas vidas.